Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A data passou em branco

 

Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a imprensa brasileira não encontra melhor homenagem do que contar a história da jovem holandesa que ganhou processo contra uma agência de modelos, que a demitiu por ser considerada “cadeiruda”. A “notícia” foi comentada até em programa esportivo, com as apreciações machistas de praxe.

No mais, vasculha-se os jornais e não há referências de destaque sobre a efeméride, embora haja muito a dizer sobre o papel da mulher na sociedade brasileira contemporânea.

No meio do noticiário geral, registro para a estreia da nova regente da Orquestra Sinfônica de São Paulo, Marin Alsop, no “Caderno 2” do Estado de S.Paulo – que dedicou seu suplemento “Paladar” ao público feminino. A intenção, explícita na manchete da primeira página do caderno, é brincar com a ideia de que lugar de mulher é na cozinha… e na adega, no alambique e no terreiro de café.

“Depois de dominar a física nuclear e pilotar jato, as mulheres querem agora conquistar… a cozinha”, diz o jornalão paulista, com reportagens sobre a presença feminina nas cozinhas dos grandes restaurantes e também na produção de cachaça e café de qualidade. Os editores do jornal parecem ignorar que as mulheres têm posição de destaque nos estudos de física avançada desde o início do século 20.

Fiel ao seu espírito provocador, a Folha de S.Paulo traz em sua seção “Tendências/Debates” artigo de uma filósofa de 25 anos de idade no qual a jovem, apresentada à “ágora” midiática por seu orientador no mestrado, o também articulista Luiz Felipe Pondé, afirma que as mulheres nada devem ao feminismo.

Seu texto aborda apenas a questão do trabalho, restringindo a ação do movimento feminista exatamente ao aspecto que nunca dependeu de slogans e manifestações para se consolidar – porque o ingresso de mulheres no universo de atividades produtivas antes ocupado exclusivamente por homens se deve mais às conveniências do sistema econômico do que à queima de sutiãs em praça pública.

Não chega a ser uma curiosidade intelectual nem deve instigar preconceitos por conta da idade da pensadora. Afinal, é na juventude que se constroem as idiossincrasias que movem o mundo. Galardoada com um título aparentemente paradoxal como um mestrado em Ciências da Religião, é bem possível que a moça tenha muito a dizer, embora sua primeira oportunidade na mídia não revele exatamente um fenômeno.

Tetracampeões em felicidade

Mais interessante, com relação ao universo feminino, é a reportagem sobre o ranking mundial da felicidade, este sim um tema que remete diretamente ao Dia Internacional da Mulher.

Na pesquisa feita pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas em parceria com a consultoria Gallup, o Brasil aparece em primeiro lugar, pelo quarto ano consecutivo, entre os povos mais felizes do mundo. O estudo, que teve como base 200 mil cidadãos de 158 países, mede o grau de satisfação das pessoas no presente e sua expectativa para os próximos cinco anos.

O brasileiro aparece como o povo mais feliz hoje e mais otimista com o futuro. E o que isso tem a ver com a emancipação feminina tão deplorada pela articulista? – perguntaria a leitora mais arguta. Tem tudo a ver pelo fato de que, na amostragem brasileira, a pesquisa revela que as mulheres são mais felizes que os homens.

Segundo o coordenador da pesquisa, o economista Marcelo Neri, isso é resultado do maior nível de educação conquistado pelas mulheres nos últimos anos. De acordo com o pesquisador, educação traz felicidade porque se traduz em renda e, consequentemente, em uma vida melhor.

As mulheres brasileiras são mais felizes e otimistas porque, de modo geral, percebem a evolução de sua condição real na sociedade, que lhes permite um protagonismo mais efetivo. Segundo o relato da imprensa, as mulheres solteiras são mais felizes que as casadas no mundo inteiro, mas essa condição se deteriora com a idade. As mulheres que têm filhos menores de quinze anos também são mais felizes do que as que não têm filhos, segundo a pesquisa.

Os dados, importantes para o planejamento de políticas públicas e para a estratégia das empresas, se completam com outra pesquisa, também divulgada nesta semana pelo economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV. Trata-se da marca de doze anos seguidos em que o Brasil vem reduzindo a desigualdade social. Segundo o último estudo disponível, o Brasil atingiu o menor índice de desigualdade em janeiro deste ano.

As mulheres têm tudo a ver com isso. Mas o Dia Internacional da Mulher passa sem que a imprensa tenha feito essa conexão.