A uma semana do encerramento deste que foi um dos anos mais intensos do jornalismo no Brasil, é preciso colocar em discussão uma questão que a imprensa evita o quanto pode: a linguagem jornalística dá conta de decifrar adequadamente a realidade?
Analisada contra o cenário deteriorado da mídia brasileira, a pergunta pode parecer impertinente e até mesmo cândida, uma vez que o campo da comunicação institucionalizada se deixou contaminar por outros vícios, que levaram ao fim da ilusão da objetividade e do pressuposto da honestidade intelectual como princípios fundadores da imprensa.
Há muitos outros aspectos a serem contemplados numa análise do que vem a ser o jornalismo nesse contexto, em que uma tecnologia de ruptura se impõe ao mesmo tempo em que a gestão dos principais veículos da mídia tradicional se concentra e verticaliza. Esse movimento do sistema da imprensa para dentro de si mesmo bloqueia a inovação e condiciona as iniciativas a uma doutrina que em tudo é contrária ao espírito de liberdade do jornalismo.
A doutrina conservadora que domina a imprensa no Brasil levanta um muro de contenção para a criatividade, desestimula os espíritos livres e encoraja a mediocridade com melhores oportunidades de carreira. O fato de que os nomes mais lustrosos da mídia nacional, aqueles que mais vezes conquistam o espaço nobre dos noticiários, são justamente os que cumprem com entusiasmo o trabalho sujo da manipulação, é causa de empobrecimento da cultura jornalística. Existem, mas são raros os profissionais que, descolando-se da orientação centralizadora, ganham distinção pelo trabalho independente e de qualidade.
Por que a gestão vertical e centralizada resulta num jornalismo mais pobre, burocrático e em linha direta com a opinião do comando das empresas de comunicação? Porque a atividade jornalística exige que, na origem, o material que vai compor o noticiário e o conjunto de opiniões seja colhido livremente, condicionado apenas pela ética – e seja trabalhado até a edição final sob o crivo das múltiplas possibilidades de interpretação.
Uma reportagem que vem definida desde a pauta não entusiasma o bom repórter e não cumpre sua função: apenas confirma os pressupostos que colocaram o tema na agenda.
Os filhos de Francis
A observação diária e por longo prazo da mídia tradicional no Brasil induz a concluir que a ligação direta entre os donos das empresas e as bases da redação limita as possibilidades de interpretação dos acontecimentos.
Décadas atrás, quando as redações eram caracterizadas pela diversidade, o debate se fazia desde a pré-pauta, e os repórteres tinham um papel mais ativo na discussão sobre o que era importante em cada edição. Com as principais reportagens direcionadas desde a pauta até a manchete, o sinal que se dá aos repórteres é que, se quiserem subir na carreira, têm que ser principalmente dóceis ao comando. Esse é um elemento limitador da linguagem jornalística.
Para manter-se conectada com a realidade em volta, a imprensa precisa, ao mesmo tempo, preservar o paradigma linguístico que caracteriza e define a comunicação social institucionalizada, e manter-se aberta a elementos da linguagem que ajudem a interpretar novos aspectos dessa realidade. Mas o controle centralizado das redações define os elementos que estarão presentes no discurso e na narrativa jornalística, preservando o paradigma apenas naquilo que interessa aos pressupostos desse comando central.
A introdução, no texto jornalístico, de expressões bizarras, adjetivando o discurso e a narrativa, é feita por colunistas e articulistas que têm a função de romper o paradigma e tornar de uso comum conceitos que a direção do veículo quer ver implantados sem reflexão no imaginário coletivo. O falecido colunista Paulo Francis foi um destacado agente desse tipo de ação, criando e popularizando entre os leitores expressões reducionistas e obtusas para estigmatizar certos protagonistas da cena política brasileira.
Nos últimos anos, a partir do segundo mandato do ex-presidente Lula da Silva, os principais meios de comunicação do Brasil alimentam esse canil de pitbulls, cuja função é introduzir elementos estranhos ao paradigma da linguagem jornalística. Essa “novilíngua” empobrece o jornalismo e reduz o leque de interpretações que a mídia tradicional deveria oferecer ao público.