Pode-se afirmar que há muita sinceridade no anúncio publicado pelo Estado de S.Paulo na segunda-feira (22/04) e repetido na edição de terça-feira: o jornal paulista realmente acaba de produzir “a maior menor mudança de sua história”. Tão menor que provavelmente o leitor típico nem vai notar.
Há também uma dura dose de realismo no conceito que os dirigentes do tradicional diário passam aos leitores: diante da concorrência dos meios digitais e incapazes de desenvolver uma estratégia de renovação a longo prazo, resta a eles apenas diminuir custos, reduzir o número de páginas e enxugar a folha de pagamentos. O mais, como se pode observar na própria comunicação oficial do jornal, é reorganizar os elementos de informação de modo a tornar mais ágil a leitura durante a semana, acumulando conteúdos para o domingo.
Durante a semana, o jornal encolhe, transforma antigos cadernos em seções mais curtas, de duas ou quatro páginas, e nos fins de semana abre espaço para abrigar o maior volume de anúncios. O conteúdo jornalístico é assumido oficialmente como recheio da publicidade. Assim, os jornais domingueiros ficam mais parecidos com as revistas semanais, e a imprensa diária assume a nova realidade: o leitor parece preferir as notícias curtas dos meios digitais, nos chamados dias úteis, e tem mais tempo para textos longos apenas no fim de semana.
Acontece que esse modelo, típico das revistas semanais, também está em crise, o que remete o problema para outra dimensão: a despeito da costumeira discussão sobre o efeito das tecnologias digitais no fraco desempenho da mídia tradicional, a realidade exige outro questionamento sobre as verdadeiras razões da decadência daquele complexo industrial que costumamos chamar de imprensa.
Há muitos indícios de que já não se trata apenas de uma questão de suporte para a notícia ou da necessidade de adequar o modelo clássico de negócio. Se o desafio da mídia tradicional fosse apenas o de migrar para o ambiente digital, há muito tempo as antigas empresas de jornalismo teriam se consolidado como líderes no setor de comunicação.
O mais provável é que a sociedade tenha ampliado suas ambições e não necessite mais de quem lhe diga o que é ou não relevante como informação no dia a dia.
O tamanho do jornal
É de se questionar, então, que papel restaria à velha indústria do jornalismo. Uma reportagem trazida pelo Globo na terça-feira (23/4) traz uma resposta parcial a essa dúvida: os bilionários americanos David e Charles Koch estão negociando a compra de oito jornais regionais pertencentes ao grupo Tribune. A joia da coroa é o Los Angeles Times, mas há no pacote títulos influentes em outras regiões dos Estados Unidos.
O que chama atenção é o fato de que os irmãos Koch não estão especialmente interessados em controlar os jornais por uma questão financeira: eles querem esses títulos como instrumento político para reagir contra a perda de prestígio das políticas conservadoras. Eles são conhecidos financiadores de campanhas do Partido Republicano e apoiam grupos políticos ligados ao movimento conhecido como Tea Party,a porção mais reacionária da política americana.
O acordo incluiria a compra do jornal Hoy, segundo maior diário de língua espanhola nos Estados Unidos, o que os ajudaria a influenciar os eleitores hispânicos, cada vez mais relevantes para quem pretende disputar o poder político dos Estados Unidos.
Esse movimento esclarece um ponto que geralmente fica encoberto nos debates sobre o futuro da imprensa: a mídia tradicional sempre foi um instrumento do poder econômico, dedicado a consolidar valores conservadores e restringir a agenda pública de modo a evitar maiores questionamentos ao sistema.
Um contexto social mais diversificado e aberto, como o das redes sociais digitais, não é um ecossistema especialmente favorável a instituições nascidas para impor à sociedade determinada visão de mundo. Pode-se, então, ponderar que a crise da imprensa tem um pé na ampliação das possibilidades abertas com as tecnologias de informação e comunicação, mas não se resume a isso. Para entender esse contexto, é preciso levar em conta a hipótese de que a imprensa como a conhecemos não tem o DNA adequado para sobreviver num ambiente comunicacional realmente aberto.
Assim, de corte em corte, acabaremos chegando ao tamanho real que um jornal deve ter.