Em 1933, o milionário americano Eugene Isaac Meyer comprou um jornal à beira da falência na capital, Washington. Era o “Post”. Durante a crise financeira dos anos 1920, Meyer havia feito fortuna na Bolsa. No pior período da crise, dirigiu o Fed, Banco Central. Exatos 80 anos depois, seu neto vende o mesmo jornal, que enfrenta pesadas dificuldades financeiras. Não é, portanto, a primeira vez que isso ocorre na história de um dos mais importantes e tradicionais títulos da imprensa americana. E esta é uma história que conta muito. Sobre como bilionários convivem com a imprensa tradicional por lá, sobre como a imprensa tradicional se relaciona com o Vale do Silício, sobre como o jornalismo sobrevive.
Eugene Meyer não teve sucesso à frente do “Washington Post”. Ao menos não no quesito financeiro. A empresa só se tornou novamente rentável na década de 1950. O velho financista, porém, investiu muito no jornal. Transformou-se numa paixão compartilhada com o genro, Phil Graham. Curiosamente, não foi para sua filha Katherine, mas sim para o marido dela, Phil, que Meyer deixou o jornal.
O maior acerto da carreira de Graham foi a indicação de Ben Bradlee para dirigir a redação, em 1968. Naquele ano, o “Post” levara um furambaço do “New York Times”, que publicou os documentos do Pentágono, provando que o governo dos EUA sabia que o conflito no Vietnã daria errado, mesmo enquanto enviava mais soldados. Dois jovens repórteres, ao longo de todo o ano de 1972, cuidadosa e lentamente, publicaram uma série de reportagens que no conjunto se tornou o escândalo Watergate. O presidente Richard Nixon se viu obrigado a renunciar. O trabalho investigativo sob a batuta de Bradlee, bancado primeiro por Phil Graham e, posteriormente, por sua viúva Kate Graham, se tornou o símbolo máximo do que é jornalismo de qualidade.
Na carta que enviou aos funcionários do “Post”, Jeff Bezos incluiu: “quero pontuar duas formas de coragem que os Grahams têm mostrado. A coragem de dizer ‘espere, vamos com calma, busquemos outra fonte para confirmar’ e a coragem de continuar a insistir numa história, não importa quão alto leve.” Há ecos nítidos de Watergate aí.
Olhares atentos
Bezos não é meramente o idealizador e fundador da Amazon. Já seria muito, evidentemente, reinventar o comércio no século XXI. Ele também foi um dos primeiríssimos investidores no Google. Depositou na conta de Sergei Brin e Larry Page um cheque de US$ 250 mil dólares quando, para os jovens estudantes, aquilo era uma fortuna. Jeff Bezos sabe exatamente o que está fazendo.
Dificilmente espera fazer fortuna como dono de um jornal. Mas provavelmente espera fazer dinheiro. A pista para explicar a compra está em outra carta. Aquela escrita por Don Graham, filho de Kate e Phil, neto de Eugene. “Nosso objetivo como donos foi sempre de que a posse deveria ser boa para o “Post”. Nossa única saída seria cortar custos e sabíamos que havia um limite para isto.”
Exatamente como ocorreu há 80 anos, o “Post” precisa de um investidor com bolsos fundos o suficiente para sobreviver à tormenta, se reinventar e não deixar um único minuto de fazer bom jornalismo. Às vezes, cortar não é a solução. Pelo contrário. Cortar, muitas vezes, precipita um fim que não é necessário. Bezos traz tanto o bolso fundo quanto a qualificação para reinventar um jornal sem, espera-se, perturbar a qualidade do jornalismo que produz. Segue, assim, o exemplo do homem mais rico do mundo, Warren Buffett, que comprou o jornal de sua cidade natal. Para investir nele.
Por sua vez, Don Graham sabe exatamente para quem está vendendo. Ele conhece muito o Vale do Silício e a indústria de tecnologia. É um dos mentores de Mark Zuckerberg, criador do Facebook. Circula por aquele mundo já há vários anos. E Bezos é uma companhia frequente.
Impossível dizer o que ocorrerá nos próximos anos. Mas alguém que sabe fazer dinheiro na internet agora é dono de um dos mais importantes jornais do mundo. Vai ter muita gente de olho no que faz. Para quem se preocupa com jornalismo, a notícia é boa.
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Pedro Doria é colunista do Globo