O caso da pilantropia – fraudes nos certificados de filantropia produzidas no Conselho Nacional de Assistência Social, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – foi noticiado pontualmente pela imprensa na semana passada. Depois desapareceu das páginas dos jornais e não chegou a entusiasmar as revistas que circulam no fim de semana.
A quadrilha que foi manchete na sexta-feira (14/3), acusada de causar nos últimos quatro anos um prejuízo de 4 bilhões de reais aos cofres públicos, por conta da isenção irregular de impostos, sumiu do noticiário tão rapidamente quanto entrou. E a história deixa um rastro de dúvidas.
Sabe-se que o grupo atuava dentro do Conselho Nacional de Assistência Social, encarregado de fornecer certificados a entidades de interesse público dedicadas à filantropia, e que mais de 60 entidades e empresas ganharam o benefício irregularmente, pagando uma taxa à quadrilha que, segundo informações da Polícia Federal divulgadas pelos jornais, era liderada pelo ex-presidente do CNAS, Carlos Ajur Cardoso Costa.
O prejuízo calculado pela Polícia FederaI se refere à evasão fiscal média de 1 bilhão de reais por ano, em impostos dos quais essas instituições se livraram por conta de certificados falsos de filantropia.
Dados disponíveis
A Polícia Federal, que aprecia jogos de palavras, batizou a investigação de ‘Operação Fariseu’. Os jornais se contiveram, mas poderiam, como a revisa Época, ter chamado o caso de ‘pilantropia’ e dedicar um pouco mais de cuidado ao episódio. Alguns detalhes escaparam à curiosidade dos jornalistas. Um deles, o mais evidente, é a facilidade com que o crime era cometido e a falta de controle interno no ministério para seu impedimento.
O descontrole era tão grande, que o esquema da quadrilha, chegava a ser pueril. A julgar pelo noticiário, a relação entre os interessados no benefício e os ‘facilitadores’ era praticamente direta, com a intermediação de apenas uma secretária indicada pelo ex-presidente Carlos Ajur Costa. O Conselho simplesmente dava o certificado a quem houvesse pago por fora, sem qualquer processo aparente de análise dos casos encaminhados através do esquema.
A investigação começou em 2004, quando ele assumiu a presidência do CNAS, e durante esse período houve onze ações civis públicas, movidas por iniciativa de um grupo de procuradores da República e agentes do Ministério da Previdência Social, contestando concessões ou renovações de certificados de filantropia. Os dados estão disponíveis no site do Ministério Público Federal há muito tempo, mas a imprensa só tomou conhecimento quando a Polícia Federal divulgou a notícia das prisões dos acusados.
Ausência de nomes
Os jornais claramente abandonaram o tema. Se fossem mais persistentes, poderiam ajudar a esclarecer os sinais de que o caso da ‘pilantropia’ é mais extenso do que parece à primeira vista. Carlos Ajur Cardoso Costa, o principal acusado, entrou para o CNAS em maio de 2002, como representante da Federação Brasileira de Entidades de e para Cegos. Na mesma ocasião, candidatou-se a deputado estadual pelo PMN no Espírito Santo, mas não se elegeu. O posto no Conselho parece ter sido um prêmio de consolação. Seria útil esclarecer quem o indicou, quais são suas conexões no Ministério da Ação Social, o que é de fato a entidade que representa.
Por semelhança, conviria também estudar o funcionamento de outros conselhos e entidades que funcionam na zona nebulosa entre o Estado e a iniciativa privada. A CPI das ONGs dá poucas mostras de que irá chegar a algum resultado satisfatório, pelas evidências de que nesse território chafurdam representantes de praticamente todos os partidos políticos. Tudo, nesse setor, funciona em nome da tal ‘sociedade civil organizada’, expressão que em muitos casos esconde a ação de quadrilhas organizadas para saquear o tesouro público.
O noticiário passou longe dessas extensões do caso revelado pela PF. Mas o que o leitor atento provavelmente deve ter notado é a ausência dos nomes de empresas e outras instituições beneficiadas pelas fraudes, bem como os nomes das pessoas físicas que as dirigem. Muitas companhias costumam fazer doações a entidades filantrópicas para obter benefícios no Imposto de Renda – e chamam isso de ‘responsabilidade social empresarial’ – colocam os valores em seus balanços de responsabilidade social e fazem muita publicidade desses investimentos.
Pensando bem, melhor a imprensa deixar o caso assim mesmo.
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Jornalista