O cidadão chamado Nelson Luiz Conegundes de Souza, professor de Educação Física com especialidade em Fisiologia do Treinamento Esportivo, era professor do Colégio Equipe e técnico de basquetebol da AABB – Associação Atlética Banco do Brasil – em São Paulo, no ano de 1998, quando foi entrevistado pela Folha de S.Paulo.
O repórter do jornal paulista queria detalhes do projeto de criação da Liga Paulistana de Basquetebol, da qual ele era um dos coordenadores.
No dia seguinte, 19 de março de 1998, ao abrir o jornal, Nelson foi informado de que estava sendo acusado pela Folha de ser o principal mentor de uma liga “pirata” que tinha como objetivo “fisgar clubes”, supondo-se que um dos propósitos era levar alguma vantagem financeira.
Nos dias subsequentes, Nelson foi demitido da AABB e estigmatizado no seu meio profissional, tendo seu nome associado àquilo que os brasileiros conhecem como “picaretagem”.
Passou a ser vítima de chacotas de colegas, evitado pelos amigos e teve sua entrada proibida na sede do clube ao qual havia prestado serviços durante os 13 anos anteriores.
Ele entrou na Justiça com uma ação por reparação de danos, exigindo antes de mais nada a publicação do direito de resposta, no mesmo espaço e com o mesmo destaque dado à reportagem que o havia prejudicado.
Pois bem: nesta quinta-feira, dia 20 de outubro de 2011, treze anos após produzido o dano, a ação judicial que tramitava na 29ª Vara Cível do Fórum João Mendes foi finalmente julgada e executada.
A Folha de S.Paulo foi condenada a ceder a ele o espaço para que se defendesse da acusação.
Nem precisava, porque nesse período a tal liga que a Folha considerou “pirata” não apenas se consolidou como uma entidade representativa do esporte em São Paulo como se tornou atuante na capital paulista e região metropolitana, no Vale do Paraiba, Baixada Santista e algumas cidades do interior do estado.
Como sua área de atuação foi ampliada, acabou mudando o nome, de Liga Paulistana para Liga Paulista de Basquetebol, e está filiada à Federação Paulista de Basquetebol.
De tudo isso os leitores da Folha puderam tomar conhecimento apenas porque a decisão judicial mandou que o jornal publicasse a defesa de Nelson Luiz Conegundes de Souza.
Em todo esse tempo, a Folha nunca se preocupou em corrigir o erro por sua própria iniciativa, ou sequer verificar se o teor daquela reportagem de março de 1998 estava correta.
Para obter o direito de ver sua versão publicada, o cidadão teve que levar seus recursos à última instância da Justiça, o Supremo Tribunal Federal.
Arrogância e má-fé
Mais do que qualquer manifesto da Associação Nacional de Jornais, o pequeno texto publicado nesta quinta-feira no caderno de Esporte da Folha de S.Paulo diz muito sobre a necessidade ou a conveniência de alguma regulamentação da imprensa.
O caso é uma comprovação bizarra de que, se depender de sua própria vontade, a imprensa brasileira não haverá de reconhecer o mais comezinho direito do cidadão que se sente ou é efetivamente prejudicado pela atividade jornalística.
Se depender do Judiciário, o cidadão pode até ver atendida sua queixa, mas terá que esperar por mais de uma década para isso.
O que se pode ler sobre o assunto, além do texto que a Justiça obrigou a Folha a publicar, é apenas meia dúzia de reproduções em blogs e alguns registros de sites de monitores jurídicos.
Este observador não teve condições de constatar se a retratação foi feita espontaneamente pela Folha antes da publicação da sentença definitiva e o jornal, aparentemente, não tem interesse em esclarecer isso aos seus leitores.
Há alguma controvérsia entre juristas sobre a hipótese de a publicação espontânea da retratação, em lugar do direito de resposta, impediria ou dificultaria ao queixoso obter indenização por danos morais e materiais.
Se for esse o caso, era de se questionar o valor moral de tal atitude, principalmente levando-se em conta que quem defende o jornal é a advogada Taís Gasparian, que tem sido também porta-voz do movimento contra qualquer proposta de normatização da imprensa.
Não se há de levantar aqui a bandeira do controle da atividade jornalística ou de mesmo remotamente defender qualquer proposta que cheire a censura.
No entanto, o cidadão Nelson Luiz Conegundes de Souza bem merecia da Folha de S.Paulo mais do que o acanhado texto que lhe foi concedido. Afinal, os fatos demonstram que a reportagem maliciosa de 1998 estava errada e apenas a má-fé e a arrogância podem explicar o uso de todos os recursos judiciais, até a Suprema Corte, para tentar evitar esse ato de Justiça.