Os jornais de quinta-feira (6/11) destacam os números do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segundo os quais a miséria deixou de cair no Brasil entre 2012 e 2013.
O assunto está nas primeiras páginas, mas é manchete apenas no Globo.Diz o seguinte: “Número de brasileiros na extrema pobreza aumenta”. Na linha fina, logo abaixo, o tom é mais ameno: “Pela primeira vez desde 2004, miséria parou de cair em 2013”. O jornal não explica a diferença entre “aumenta” e “parou de cair”.
Esse é um exemplo simples do “jornalismo impressionista” ao qual nos referimos neste posto de observação na quarta-feira (5, ver aqui): olhando-se apenas a manchete, chega-se à conclusão apressada de que a miséria aumentou no Brasil; lendo-se a linha fina, o leitor começa a entender que não é bem assim; ao enxergar o quadro inteiro, compreende-se que há certa manipulação das informações. Mas em todos os gráficos aparece um dado relevante, que a imprensa vinha omitindo na última década: o processo consistente de redução da pobreza no período de aplicação do modelo econômico que prioriza a mobilidade social.
Agora, para entender como se cria o efeito “impressionista” nos olhos do leitor, basta observar, como faz uma especialista entrevistada pelo Estado de S.Paulo, que, ao produzir a notícia, a imprensa despreza a margem de erro estatístico, dado relevante em outras pesquisas, como as de intenção de voto.
Os jornais escolhem o único elemento negativo do levantamento e fazem dele o centro do noticiário, calculando como única referência de pobreza a renda individual em relação ao preço de uma cesta básica de alimentos – o fato é que a miséria real vem sendo combatida com programas que não são considerados pelas reportagens.
Então, vejamos outro aspecto das escolhas editoriais: o Estado monta seu gráfico com base no período de 2003 a 2013; o Globo escolhe o período de 2004 a 2013; e a Folha estende a análise desde o ano de 1992 até 2013.
O que aparece nos gráficos do Globo e do Estado é uma queda consistente da pobreza extrema na última década, comprovada em pelo menos oito seminários internacionais sobre resultados econômicos de políticas sociais realizados em São Paulo nos últimos anos – a mídia tradicional do Brasil nunca cobriu esses eventos.
O mais interessante, porém, é o que mostra o gráfico de duas décadas publicado pela Folha: ali se comprova que, nos dois governos do PSDB, a miséria subiu consistentemente, com exceção do ano de 1998. No primeiro ano do governo Lula da Silva, 2003, havia 26,24 milhões de brasileiros nessa condição, ou seja, 14,5% da população vivia na extrema pobreza; em 2013, esse total havia caído para 10,45 milhões, ou seja, 5,2% da população. Esse é o dado real que insiste em se mostrar sob as manchetes negativas dos jornais.
O menino-passarinho
Mas nem tudo é miséria no noticiário: a Folha de S.Paulo acompanha, desde o início da semana, a vida de um menino de 15 anos que costuma fugir de sua casa no Espírito Santo para viver numa rua do bairro de Higienópolis, na capital paulista. O adolescente sofre de hiperatividade e déficit de atenção, e viajou sem seus medicamentos controlados.
A história, relatada pelo repórter Emilio Sant’Anna, mostra um aspecto interessante do bairro de alta classe média cujos moradores se envolveram em um ruidoso caso de preconceito em 2011. Ninguém mais “diferenciado” do que o menino capixaba: nas duas vezes em que se instalou anteriormente na região, ele construiu sua casa numa árvore, onde foi descoberto pela repórter Vivian Codogno, do Estado de S.Paulo, em agosto (ver aqui). Na ocasião, foi chamado de “menino-passarinho”, e alguns moradores entrevistados diziam ter medo dele.
Na atualização feita pela Folha (ver aqui), fica-se sabendo que o adolescente vem sendo protegido por famílias da região, que ganhou uma barraca e se mudou para a calçada em frente ao shopping Higienópolis. Mas na edição de quinta-feira (6), o jornal noticia que ele sofreu um atentado: alguém encharcou sua barraca com “creolina” e ele teve que ser socorrido por causa da sufocação. Desde então, vizinhos passaram a se revezar em vigília para protegê-lo.
Como se pode constatar, existe a pobreza das estatísticas e a pobreza real, assim como coexistem no mesmo lugar a nobreza da solidariedade e a miséria do preconceito.