Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A omissão da mídia



No período em que denunciava o chamado ‘apagão aéreo’, a imprensa tratou a ex-diretora da Agência Nacional da Aviação Civil Denise Abreu como criminosa. Só faltou responsabilizá-la pela tragédia com o Airbus da TAM. Hoje Denise Abreu tem reputação suficiente para servir de fonte em declarações contra a ministra da Casa Civil.


Há pouco mais de um ano, Denise Abreu, ex-diretora da ANAC, estava sob o fogo cerrado da imprensa como uma das responsáveis pela situação caótica da nossa aviação civil. Foi obrigada a demitir-se em agosto de 2007. Hoje a imprensa corre atrás dela para suplicar mais algumas gotas de veneno contra Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil.


No início de 2006, quando a Varig embicava em queda-livre, a ministra Dilma Rousseff foi clara ao dizer que ‘o dinheiro público não pode ser gasto para salvar empresas privadas’.


Nos meses seguintes a imprensa não disse uma palavra capaz de persuadir o governo a salvar a Varig. Iniciava-se aquilo que o jornalista Luis Nassif designou como ‘a imolação da Varig’.


Abutres famintos


Agora a imprensa está excitadíssima: denuncia irregularidades na transferência da Varig para a Gol e a forte presença de estrangeiros entre os acionistas da velha Varig.


Por que razão a imprensa não se mexeu quando ainda era possível salvar a empresa-símbolo da nossa aviação?


Ao assumir a pasta da Defesa, o ministro Nelson Jobim criticou o duopólio TAM-Gol – responsável, aliás, pelas duas maiores catástrofes aéreas do país. Este duopólio agora é quase um cartel e a imprensa continua quieta, sem coragem para desagradar dois grandes anunciantes.


Certamente houve muita mutreta na transferência da Varig para a Gol, a mídia deve cobrar explicações. Mas a mídia tem obrigação de explicar a sua omissão enquanto a Varig era canibalizada pelos abutres que hoje dominam nossos céus.


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Queda no vácuo


Alberto Dines # publicado no Último Segundo em 15/4/2006


O piloto sentiu os golpes, vacilou e entrou numa arriscada área de turbulência. As metáforas saíram da inocente área futebolística e agora estão na perigosa esfera da aeronáutica: o relatório da CPI dos Correios e a denúncia do procurador-geral da República abalaram os controles da aeronave palaciana e mesmo sem recorrer à caixa preta percebe-se a confusão na cabine de comando. A prova está na absoluta inépcia com que o governo conduz a crise na Varig.


Agarrados às simplificações ideológicas que os levaram ao abismo, alguns membros do primeiro escalão balbuciam uma esfarrapada desculpa que não fica bem em pessoas que sempre defenderam soluções intervencionistas e jamais aceitaram as soluções de mercado: ‘o dinheiro público não pode ser gasto para salvar uma empresa privada’.


Neófitos neste time, estes comissários indevidamente transformados em comandantes ignoram o chamado efeito-dominó, a dinâmica que comanda o mundo dos negócios. Uma grande empresa mesmo em situação agônica tem potencial para contaminar todo o setor e ainda contagiar parte da economia.


Espetáculo doloroso


A Varig não é apenas uma empresa de transporte aéreo, é um dos pilares da indústria do turismo. Não é apenas um grande empregador, é um dínamo que movimenta o setor aéreo há mais de meio século. Depois do desastre da Panair, foi uma das responsáveis pela integração deste país-continente.


Enquanto os marqueteiros chapa-branca tentavam enfiar uma réplica do chapéu de Santos Dumont na cabeça do sempre sorridente astronauta Marcos Pontes, os operadores do governo não conseguiam perceber que sua inoperância ajudava a derrubar um dos símbolos do nosso pioneirismo na navegação aérea.


Não se trata apenas do caso clássico do dinossauro que não conseguiu adaptar-se aos novos tempos. O setor como um todo ainda tem muito de jurássico. Enquanto a estatal Infraero, nem sempre conduzida por profissionais do ramo, dispõe de um poder excessivo, a ANAC levou quase quatro anos para sair do papel – só foi formalizada recentemente e dá mostras evidentes do seu despreparo para enfrentar a catástrofe anunciada.


O mesmo governo que agora adota uma fingida lealdade à livre iniciativa, desde o período da transição FHC-Lula procrastinava a criação da agência reguladora da aviação civil simplesmente porque não pretendia dar força a um instrumento capaz de opor-se ao aparelhamento partidário da máquina administrativa. Um organismo verdadeiramente autônomo e competente já teria evitado o doloroso espetáculo que Luis Nassif designou muito apropriadamente como ‘a imolação da Varig’.


Piruetas deletérias


Nestes dias tão propícios à meditação, o governo deveria ao menos perceber que ‘o caso Varig’ transcende à Varig. Uma empresa-zumbi é capaz de criar um setor-zumbi, a Varig tem proporções para arrastar o segmento inteiro para o buraco e criar um enorme mal-estar na sociedade. O brasileiro aprendeu a voar e não apenas para divertir-se nas férias ou feriados. O negócio da aviação produziu profundas alterações na vida brasileira que já não podem ser revertidas.


O mercado, sozinho, não conseguirá substituir a empresa-ícone. As concorrentes – nacionais ou estrangeiras – terão muitas dificuldades para integrar as rotas abandonadas, atender à demanda crescente, honrar as passagens compradas e, sobretudo, quitar os compromissos com os cinco milhões de clientes do seu programa de milhagem. E se este compromisso for rasgado as conseqüências serão arrasadoras.


Os neo-neoliberais que agora estão com as mãos no manche precisam atentar para a importância da credibilidade no mundo das relações sociais. Os ‘Sem Passagem’ aliados aos ‘Sem Milhas’ e apoiados pela militância dos trabalhadores da Varig podem fazer enormes estragos nas próximas sondagens eleitorais.


Atarantados, desatentos ao radar, preocupados apenas com algumas piruetas deletérias estes que agora pilotam o avião chamado Brasil o empurraram para um vácuo. No vácuo as quedas assustam.


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