Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A opinião do público e os interesses políticos

O Globo realizou na semana passada uma consulta a seus leitores, pela internet, e observou que mais de 95% deles discordam do resultado do julgamento do senador Renan Calheiros.

A votação começou ainda antes da última sessão do plenário que deu a absolvição ao ex-presidente do Parlamento e se estendeu até o dia seguinte.

O jornal carioca deu ampla visibilidade ao resultado durante aqueles dias, o que seria apenas uma demonstração de inconformismo do próprio jornal – e, quase por extensão, de toda a imprensa brasileira – com a decisão da maioria dos senadores. Mas não é apenas disso que se trata.

A distância entre o que julgam os parlamentares e o que o público pensa sobre a culpabilidade do ex-presidente do Senado mostra como o entendimento da sociedade sobre determinados acontecimentos pode ser distorcido pela repetição constante de veredictos criados pela própria imprensa.

Inconsistência de provas

Os jornais haviam condenado Renan Calheiros já em maio, quando se tornaram públicas as suspeitas de que ele havia pago pensão à ex-namorada Mônica Veloso e sua filha com dinheiro de uma empreiteira. Usou para seu julgamento particular manifestações de parlamentares da oposição, com predileção para representantes do PSDB e do Democratas.

Renan passou por esse julgamento, apoiado em boa parte na força das chantagens e das ameaças e com o uso dos poderes que lhe dava a presidência do Senado. Foi acusado por parlamentares da oposição de usar a estrutura do Congresso para investigar suas vidas em busca de material para novas chantagens.

No entanto, bem perto de julgar o caso em que ele era incriminado por supostamente haver adquirido irregularmente duas emissoras de rádio em Alagoas, os acusadores da oposição começaram a rarear nas páginas dos jornais. Nesse período, Renan escapou da acusação de haver beneficiado uma indústria de cerveja – por absoluta inapetência de seus acusadores.

A imprensa, então, só tinha atenção para a tentativa do Executivo de fazer aprovar a prorrogação da CPMF. Renan foi para os cantos de páginas, em relatos burocráticos e sem qualquer demonstração de esforço dos jornalistas para explicar as acusações que lhe eram feitas. Afinal, na terça-feira (4/12), ele renunciou à presidência do Senado e acabou sendo inocentado no processo sobre a aquisição de emissoras de rádio por inconsistência de provas.

Jogo duplo

Os jornais disseram que ele havia feito um acordo com o governo, mas antecipara a renúncia, o que atrapalhou as negociações para a aprovação da CPMF. No julgamento, os detalhes jurídicos oferecidos tanto pela acusação como pelo acusado apontam uma circunstância que nunca se destacou no noticiário: a de que não haveria como provar que Renan Calheiros tinha de fato comprado e feito funcionar uma ou duas concessões de radiodifusão em Alagoas.

Renan está livre da acusação e os jornais – representados, no caso específico, pelo Globo – verbalizam seu descontentamento pela voz dos cidadãos que acessam o site globo.com. Para os leitores atentos, ficava a impressão de que a imprensa não sabe perder, ou que havia deixado escapar alguma coisa no noticiário, o que impedia o público de aceitar a decisão do Senado.

Pois não é que a revista Época traz, na edição do fim de semana (edição 499 – 10/12/2007), uma revelação importante para explicar o caso? Diz a revista da Editora Globo que Renan se safou graças a um jogo duplo: enquanto negociava com o governo para não atrapalhar a votação da CPMF, também fazia barganha com a oposição, em especial com parlamentares do PSDB e do Democratas, para dar à oposição a oportunidade de rachar a base de apoio ao governo na disputa pela indicação do futuro presidente do Senado.

Foi a imprensa

O acordo com o PSDB foi armado pelo tucano Teotônio Vilela Filho, governador de Alagoas, informa Época. Renan cumpriu sua parte, antecipando a renúncia e detonando a disputa pela presidência do Senado que convulsiona a base do governo. Segundo o cientista político Fernando Abrucio, colunista de Época, a oposição opta pelo jogo do ‘quanto pior, melhor’ e tenta criar uma situação de desconforto nas contas públicas sem apresentar uma alternativa ao fim da CPMF.

O jogo é mais complexo do que se pode apreender no relato da revista sobre a jogada de Renan, que lhe permitiu escapar da cassação, mas há ainda muitos dias pela frente para os jornais explicarem aos leitores como funcionou a coisa, quem foram os principais protagonistas e, principalmente, o que têm a dizer os atuais aliados de Renan Calheiros que até algumas semanas atrás eram seus inimigos de morte.

Se 95% dos leitores consultados pelo Globo estão convencidos de que Renan deveria ter sido cassado, alguém os ajudou a formar essa opinião. Foi a imprensa. Cabe agora à imprensa explicar como a opinião do público foi manipulada e quem são os autores da palhaçada.

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Jornalista