As edições dos jornais do fim de semana e da segunda-feira (16/4) trazem novos detalhes das relações do contraventor Carlos Cachoeira com políticos de vários estados. Os esquemas ilegais de lavagem de dinheiro dos jogos de azar evoluíram para uma associação na qual, segundo as investigações divulgadas até aqui, o grupo criminoso financiava campanhas eleitorais e recuperava o dinheiro por meio de contratos de suas “empresas” com o setor público.
O núcleo legalizado era provavelmente a construtora Delta, que aparentemente repassava verbas de volta para o bolso dos bandidos.
Se é verdade metade do que traz a imprensa nos últimos dias, é de se perguntar o que impede um debate sério sobre o sistema eleitoral e suas regras mais do que vulneráveis de financiamento. Já se sabia há muito que o sistema representativo produziu uma falsa democracia, na qual os lobbies empresariais e de interesses específicos criam e sustentam a maioria das carreiras parlamentares, que já nascem marcadas pelos compromissos de campanha.
O caso envolvendo o empresário das máquinas viciadas de apostas revela que vastas áreas do poder público podem estar contaminadas por essa relação, cujo alcance ainda não se pode calcular.
Braço auxiliar
Personagens como o citado Cachoeira representam uma espécie de “empreendedor” muito conhecida da psicologia forense, cuja ação se caracteriza pela incapacidade de internalizar a hipótese da punição e que costuma passar a vida inteira à margem da lei.
Não há possibilidade de vê-los ganhando a vida como os demais, porque esse tipo de patologia se caracteriza, entre outras coisas, por uma forma de alienação social na qual eles se colocam ideologicamente contra os meios comuns de atuação em sociedade.
Personagens assim compõem clássicos da crônica policial e da literatura do gênero. São tão facilmente identificáveis que admira o fato de poderem construir relações de décadas com autoridades sem que ninguém desconfie de suas ações.
Com tal portfólio, pode parecer estranho ao leitor atento de jornais que esse personagem possa ter atuado com tanta desenvoltura e por tanto tempo junto a núcleos importantes de poder, ao ponto de haver recomendado ao seu operador principal, o senador Demóstenes Torres, que mudasse de partido para se integrar ao grupo de parlamentares situacionistas.
A imprensa nacional parece ter descoberto agora esse exemplar de Al Capone do Cerrado. Descobre também que ele atua há anos na região que tem Brasília como centro geográfico. Mas os jornais começam a dar sinais de que preferem investir em outro filão. Muito provavelmente, o caso Carlos Cachoeira vai se misturar a outro escândalo, aquele chamado de “mensalão”, e acabará diluído em meio a um novo tiroteio à margem de uma campanha eleitoral.
E a imprensa estará ajudando novamente a dissimular as principais origens da corrupção que se tornou endêmica no país.
Ao apontar para a Delta Construções, a Polícia Federal abre a possibilidade de esclarecer como uma empresa aparentemente idônea pode ser convertida em braço auxiliar do crime organizado, o que representa uma evolução nas operações mafiosas tradicionais.
Esquemas primários
Até aqui, o que se tinha de mais comum era o funcionamento de redes de pequenas organizações fantasmas, distribuídas em estruturas mais ou menos complexas mas facilmente identificáveis, porque a patologia da alteridade social também vem acompanhada de certo sentimento de invulnerabilidade. Por essa razão muitas vezes surpreende como grandes esquemas de desvio de dinheiro público possam funcionar em bases organizacionais tão primárias.
O que diz a imprensa, nesses dias, é que o esquema aparentemente chefiado por Carlos Cachoeira cooptou uma empresa legal, com tradição e credibilidade no setor de construções, por meio da qual se obtinham as licitações para que o “empreendedor” pudesse recuperar o dinheiro investido em corrupção e lavar a receita de suas atividades ilegais da jogatina.
Assim formava-se o círculo vicioso no qual o dinheiro do jogo era usado para manter o jogo funcionando graças a propinas, que também abriam o caminho para negócios com o governo, com os quais se gerava a receita legalizada que voltava à origem com carimbo oficial.
Tudo isso produz uma excelente oportunidade para refazer a legislação e tapar alguns dos buracos pelos quais vaza o dinheiro público.
Mas a imprensa e os parlamentares não envolvidos nesses escândalos precisam desejar essa reforma.