Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A perigosa relação do bebê com a TV

Crianças têm necessidade de atividade motora para construir seu universo mental. A capacidade de interagir com o meio que o cerca e a aquisição progressiva da motricidade são fundamentais para o desenvolvimento psicológico do bebê.


Quem discorda dessas assertivas, que deixe seu bebê entre 6 meses e 3 anos diante da TV para ‘se distrair’ ou para ‘adormecer’. Quem acredita que a TV é um instrumento positivo no desenvolvimento de uma criança, ligue a BabyFirst e reze para que seu bebê não tenha o cérebro atrofiado nem seu desenvolvimento motor prejudicado.


O debate sobre a televisão e suas conseqüências sobre os espectadores de fraldas foi aberto na França há pouco mais de um ano com um texto publicado no jornal Le Monde, assinado por dois pedopsiquiatras de renome, Pierre Delion e Bernard Golse. Os especialistas pediam uma ‘moratória’ para o canal BabyFirst, destinado a crianças de 6 meses a 3 anos e que tem como slogan ‘Veja seu bebê se desenvolver’ [ver, neste OI, ‘Cientistas franceses pedem moratória para canal‘].


O manifesto que pedia a moratória para esse tipo de canal destinado aos bebês era enfático:




‘Numa época em que se fala muito de ecologia, é preciso que nos conscientizemos de que proteger nossos filhos do risco de desenvolver uma forma de dependência em relação à tela luminosa é uma forma de ecologia do espírito. Por isso, é urgente que nos mobilizemos para a criação de uma moratória que proíba a existência desses canais, antes que a ciência possa conhecer melhor a relação da criança pequena com a tela.’


Bebê necessita de atividade física


A moratória foi apenas uma boa idéia de cientistas humanistas, vencidos pela realidade do mercado e pelo poder da nova mídia.


Agora, a polêmica volta através da revista semanal do Le Monde, a Monde 2, que ouviu especialistas sobre a exposição precoce dos bebês à TV. Eles não recomendam a babá eletrônica para o público de fraldas. Muito pelo contrário.


Serge Hefez, um dos psicanalistas que assinaram o manifesto, diz:




‘A simples idéia desse canal contraria tudo o que sabemos sobre o psiquismo do bebê. Ele o transforma em espectador quando ele precisa tornar-se ator; o torna passivo no momento em que ele aperfeiçoa suas capacidades de ser ativo. Será sempre mais saudável deixá-lo brincar sozinho com um bichinho de pelúcia e aprender tranqüilamente a se entediar para desenvolver sua capacidade de ser autônomo.’


O primeiro canal dirigido aos espectadores de chupeta foi criado em Israel em 2003 e se chamava BabyTV, depois comprado pela Fox, de Rupert Murdoch. Na chegada à França, em 2005, o canal suscitou o alerta e o pedido de ‘moratória’ dos pedopsiquiatras Delion e Golse até que a ciência possa determinar a inocuidade da TV para o desenvolvimento psicológico e motor dos bebês. Os cientistas frisam que para formar a inteligência nessa idade em que o cérebro se organiza, forma categorias e se constrói, o bebê necessita de atividade física.


Robô que forma robôs


Não houve moratória e, como os sinais são emitidos da Inglaterra, o Coletivo Interassociativo Infância e Mídia (Collectif interassociatif enfance et média – CIEM) também não pôde impedir, em nome da lei francesa, a difusão de programas do canal por assinatura, suscetíveis, segundo o Coletivo, de ‘prejudicar gravemente o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores’. Um organismo do governo, a DGS (Direction générale de la santé), advertiu, contudo, que as empresas que comercializam programas destinados ao público de menos de três anos ‘não podem fazer publicidade atribuindo a eles benefícios para a saúde ou para o desenvolvimento da criança’.


O pediatra Frederick Zimmerman, professor da Universidade de Washington e especialista nos efeitos das diferentes mídias sobre as crianças, dirigiu no ano passado uma pesquisa sobre a televisão para crianças de 2 a 24 meses. Constatou que 40% dos bebês de três meses vêem televisão todos os dias. Aos 24 meses, eles já são 90% a ver TV.


O estudo do doutor Zimmerman desaconselhava qualquer programa de TV para crianças menores de dois anos. Por quê? Segundo ele, as dificuldades de aprender a ler e a estudar matemática, a tendência à obesidade (25% das crianças norte-americanas de 1 a 6 anos estão com peso acima do normal), a síndrome de hiperatividade e os comportamentos agressivos foram relacionados pelo estudo a um longo período de exposição das crianças aos programas ditos ‘infantis’. A Academia Americana de Pediatras (AAP), que publicou o estudo de Zimmerman, também condenou a exposição de menores de dois anos à televisão. O estudo do doutor Zimmerman mostra que a visão da televisão como um robô que forma robôs não é unicamente francesa.


Cabe aos pais defender os bebês de até três anos da famosa ‘máquina de fazer doido’, que o jornalista Sérgio Porto intuiu, muito antes das pesquisas que provam que ela pode ser muito nociva.


Principalmente para os espectadores de fraldas.

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Jornalista