Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A postura imprensa e os
escândalos no Congresso

Somente nos cinco primeiros meses de 2009, mais de 30 casos de desvio de conduta na Câmara e no Senado tomaram conta das manchetes dos jornais no Brasil. Escândalos envolvendo verba indenizatória, ‘castelogate’, horas extras durante as férias, uso indevido das passagens aéreas, nepotismo, número exagerado de diretorias, erros em prestações de contas e uso de ‘laranjas’, entre tantos outros desvios, foram constantemente noticiados pelos meios de comunicação. A versão televisiva do Observatório da Imprensa, exibida ao vivo na terça-feira (12/05) pela TV Brasil, discutiu a cobertura da imprensa sobre as atividades do Congresso Nacional.


O diretor do site Congresso em Foco, Sylvio Costa, que noticiou em primeira mão a ‘farra’ com as passagens aéreas, participou do debate pelo estúdio em Brasília. Mestre em Comunicações pela Universidade de Westminster, em Londres, o jornalista trabalhou na Folha de S.Paulo, IstoÉ, Correio Brazilienze e Gazeta Mercantil. Em São Paulo, o programa recebeu o filósofo Roberto Romano. Professor Titular da Unicamp na área de Ética e Filosofia Política, Romano escreveu diversos livros e artigos sobre Ética e Teoria do Estado. No Rio de Janeiro, participou a jornalista Dora Kramer. Colunista política do jornal O Estado de S.Paulo e das rádios BandNews e JBFM, Dora é autora do livro O Resumo da História. Junto com Pedro Collor, escreveu Passando a limpo – a trajetória de um farsante.


Mídia na Semana


Antes do debate ao vivo, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Dines comentou assuntos que estiveram em evidência nos últimos dias. O lançamento do leitor eletrônico Kindle DX, da Amazon, e o crescimento da rede de microblogs Twitter foi o primeiro tema da seção. ‘Balzac está feliz da vida: nem o Twitter nem o Kindle serão capazes de digeri-lo’, disse. Em seguida, comentou a cobertura das enchentes que atingem as regiões Norte e Nordeste. Para Dines, a mídia, os políticos e os governantes estão ‘se lixando’ para o problema. O último assunto da coluna foi a Influenza A, a gripe suína. Dines comentou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a doença ‘não é do tamanho’ que parecia. ‘Ainda bem: estes grandes exercícios de vigilância sanitária serão a única defesa quando aparecer uma gripe tão letal quanto a Espanhola. Melhor prevenir do que remediar’, disse.


A mídia exagera?


Em editorial sobre a relação dos meios de comunicação com o Poder Legislativo, Dines afirmou que a ‘farra’ das passagens aéreas é a face visível de um sistema de privilégios e irregularidades que ‘penetrou no âmago do legislativo até intoxicá-lo inteiramente’. É preciso questionar se a mídia exagera nas denúncias ou deveria ter levantado antes as irregularidades. Dines relembrou que uma das razões da transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília foi a necessidade de afastar o centro de poder das pressões populares. ‘A opinião pública está distante, isolada, e quando acordou da letargia ouviu um representante do povo afirmar que está se lixando para o que ela pensa. A verdade é que o escândalo das passagens aéreas deve produzir uma aterrissagem generalizada. A menos que a imprensa prefira manter Brasília como uma ilha da fantasia onde ninguém se lixa com coisa alguma’, alertou.


A reportagem exibida pelo programa mostrou a opinião do jornalista Villas-Bôas Corrêa e do diretor-executivo da ONG Transparência Brasil Claudio Weber Abramo. Em entrevista gravada, Villas-Bôas disse que é inacreditável que até parlamentares respeitados tenham repassado passagens aéreas ‘para amantes e companheiras’. Com mais de 60 anos de reportagem política, o jornalista avalia que este é ‘o pior Congresso de todos os tempos’. A série de escândalos que avassala a Câmara e o Senado é sinal de uma crise que já está instalada e que irá estourar. ‘O que a gente torce é que ela arrebente sem estourar com a democracia, sem levar a um outro endurecimento do regime’, advertiu.


Na opinião de Claudio Weber Abramo, há uma deficiência na cobertura que a imprensa dedica ao Poder Legislativo. A mídia não acompanha a tramitação das matérias que estão em discussão nas comissões temáticas do Congresso. ‘É muito frequente a gente se surpreender com a promulgação de uma legislação que estava em discussão há anos quando é muito tarde, quando não há mais tempo para discutir os pressupostos que estão por trás daquela matéria’, comentou. Para Abramo, fica-se ‘chorando pelo leite derramado’ quando bastava a imprensa acompanhar o trabalho das comissões. O diretor-executivo da Transparência Brasil destacou que no escândalo da venda e repasse de passagens aéreas por parlamentares, o site Congresso em Foco publicou informações que ‘alguém de dentro do Congresso’ revelou.


O poder do ‘baixo clero’


No debate ao vivo, Dines perguntou a Dora Kramer se ela compartilha a análise de Villas-Bôas Corrêa de que a atual composição do Congresso é a pior dos últimos 60 anos. A jornalista concorda e atribuiu o fato à atuação do chamado baixo clero na legislatura atual e na anterior. Parlamentares ‘sem compromisso’ com a opinião pública hoje fazem parte do centro da Casa. Têm alto poder de comando e de influência. Suplentes ocupam cargos importantes. A abertura de espaço para parlamentares que ‘não tinham voz’ baixou o nível do Congresso.


Sylvio Costa também avalia de forma negativa a atual legislatura e afirmou que é preciso fazer uma ampla avaliação das práticas de poder no Brasil. Políticos eleitos para cumprir o preceito fundamental de discutir os rumos do país, na realidade, chagam à Brasília para ‘defender pleitos’ dos locais de origem. O jornalista comentou que o trabalho do site em relação ao mau uso das passagens aéreas por parlamentares foi resultado do esforço da equipe do Congresso em Foco, e não de uma única pessoa. As informações foram colhidas ao longo de semanas e, com o tempo, a equipe pode perceber ‘o tamanho do problema’. Costa ressaltou que o episódio das passagens enfocou uma prática antiética que pode ser modificada. Segundo ele, a alteração das normas irá gerar uma significativa economia para os cofres públicos. O jornalista comentou que há casos isolados de ameaças e pressões ao site, mas que a vontade popular impulsiona o trabalho da equipe.


Aperfeiçoamento democrático


Dois pontos devem ser observados, na opinião de Roberto Romano, para o aperfeiçoamento da democracia no Brasil. O primeiro é a autonomia de estados e municípios em relação ao poder central para evitar que ‘vivam com o pires na mão’. O funcionamento do sistema federativo pleno impede que o Poder Legislativo atue como um mediador no orçamento da União. Hoje, deputados estão reduzidos a ‘caixeiros viajantes’. A questão dos partidos políticos também precisa ser debatida. Atualmente, os partidos políticos brasileiros são propriedade de grupos que controlam alianças, indicam apadrinhados para cargos importantes e não atendem às necessidades dos militantes das bases. ‘Nós temos a idéia falsa de que os eleitos não precisam prestar contas a ninguém’, disse. O filósofo destacou que o Estado brasileiro nasceu contrário aos pressupostos das revoluções inglesa, norte-americana e francesa. ‘O Brasil é um país onde não se presta contas’, avaliou.


Dines pediu para a jornalista Dora Kramer avaliar a cobertura da imprensa nos escândalos no Poder Legislativo. A colunista política acredita que a imprensa está fazendo um bom trabalho em relação aos escândalos no Congresso Nacional. Na opinião da jornalista, pesquisas de opinião apontam que os meios de comunicação têm credibilidade superior em relação a outras instituições. A mídia fiscaliza atentamente irregularidades em Brasília, mas não tem como acompanhar diariamente todos os escândalos nas três esferas de poder. Os cidadãos sentem-se amparados pela imprensa porque ela repercute as irregularidades.


A transparência nas ações do governo é um aspecto fundamental para a diminuição dos casos de corrupção. Sylvio Costa comentou que a ‘informação revelada’ gera desdobramentos na cena política e possibilita que cidadãos exijam dos governantes uma postura diferente em relação ao dinheiro público. Neste cenário, as ferramentas da internet facilitaram não só a prestação de contas dos ‘eleitos’ como também a cobrança dos eleitores. Para ele, é importante que esta série de sucessivos escândalos gere uma discussão radical sobre os métodos de funcionamento do Congresso Nacional.


Roberto Romano acredita que as ferramentas de acompanhamento do uso do dinheiro público disponíveis atualmente na internet já possibilitam que o cidadão busque informações sobre desvios de conduta dos governantes. Romano espera que a rede de computadores possa ser um instrumento para quebrar o monopólio de ‘caciques’ na política, sobretudo fora dos grandes centros urbanos. Nos ‘grotões’ do Brasil, os ‘caciques’ definem padrões políticos. A grande imprensa, que cumpre o papel de informar aos leitores sobre os abusos, não pode esquecer desta particularidade da estrutura política do Brasil, possibilitada pela concessão de canais de radiodifusão a parlamentares.


É preciso cobrar


Um telespectador perguntou a Dora Kramer se a imprensa ‘pega leve’ quando políticos tidos como éticos são flagrados em situações de corrupção e mau uso do dinheiro público. A colunista afirmou que casos como do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) e da ex-senadora Heloísa Helena – que assumiram o repasse de passagens aéreas a familiares – mostram que a imprensa ‘pegou pesado até demais’. Políticos que tinham uma trajetória marcada pela luta ética na Câmara e no Senado foram cobrados de forma mais severa pela imprensa do que outros paramentares. ‘É um erro grave’, criticou Dora. Segundo ela, não se deve ‘colocar no mesmo saco quem tem uma biografia junto com quem tem uma folha corrida’.


Roberto Romano advertiu que é preciso acabar com o apoliticismo do cidadão comum. Desde o século XIX, há a idéia de que a política é ‘uma coisa suja’ e por isso ‘não podemos colocar as mãos nela’. A falta da pressão popular sobre os partidos políticos permite que direções corruptas coloquem diante de si a máquina do governo e não haja cobrança. Em um regime republicano, o cidadão deve assumir sua responsabilidade política e cobrar dos representantes do povo o respeito com a ‘coisa pública’ (origem da palavra república). ‘Ficar em casa, chorando diante da TV quando ocorrem casos como estes das passagens aéreas me parece que não resolve nada’, censurou.


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A mídia e a ilha da fantasia


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 502, no ar em 12/05/2009


Há três meses, desde o início de fevereiro, o Brasil assiste a um big brother diferente, transmitido diretamente do Congresso: é empolgante, os absurdos são tão absurdos que parecem ensaiados, lamentavelmente são verdadeiros.


A farra das passagens aéreas não é um fato isolado, acidental, é a face visível de um venerando sistema de grandes privilégios e pequenas irregularidades que somados penetraram no âmago do legislativo até intoxicá-lo inteiramente.


Quando um integrante da Comissão de Ética o invés de assumir a faxina da casa do povo declara despudorado que está se ‘lixando’ para a opinião pública, ele empurra a crise do congresso para além da praça dos três poderes e a espalha pelas redações de jornais, revistas, rádios e televisões do país. Duas perguntas cruciais são imediatamente acionadas: a imprensa está exagerando nas denúncias ou, ao contrário, demorou muito para despertar para algo que ela deveria ter sido a primeira a denunciar?


Quando JK decidiu transferir a capital para o planalto central, uma das suas razões íntimas era aliviar a pressão de uma opinião pública altamente politizada como a do Rio de Janeiro, concentrada em cima do palácio do Catete e do Congresso instalados em pleno centro da cidade. Quarenta e nove anos depois e por diversas razões, ficou patente que JK conseguiu o que pretendia: a opinião pública está distante, isolada e quando acordou da letargia ouviu um representante do povo afirmar que está se lixando para o que ela pensa.


A verdade é que o escândalo das passagens aéreas deve produzir uma aterrisagem generalizada. A menos que a imprensa prefira manter Brasília como uma ilha da fantasia onde ninguém se lixa com coisa alguma.