Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A tardia chegada
da imprensa ao Brasil

No dia em que foi comemorado o bicentenário da Impressão Régia (13/05), o Observatório da Imprensa na TV, exibido pela TV Brasil discutiu a tardia instalação da primeira oficina tipográfica no Brasil. Ao logo de 2008, irão ao ar outros dois especiais sobre história da imprensa no país. No próximo mês, o Observatório contará a história do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense. Lançado em junho de 1808, em Londres, por Hipólito da Costa, o mensário pretendia para difundir, na colônia, as idéias que circulavam na Europa. Em setembro, o tema será a Gazeta do Rio de Janeiro o primeiro periódico impresso no país. Instrumento para a comunicação da coroa com os súditos tanto no Brasil quanto em Portugal, a folha era um dos principais produtos da Impressão Régia.


O primeiro prelo instalado no Brasil chegou ao país junto com a Família Real, em março de 1808. A corte transferia-se para o Brasil para escapar às pressões de Napoleão Bonaparte. Na pressa que antecedeu o embarque, o Conde da Barca ordenou que fossem colocados no porão da nau Medusa, os prelos e tipos que haviam sido comprados para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em Lisboa, e que ainda estavam encaixotados. Dois meses depois a chegada, o príncipe regente D. João VI toma conhecimento do material e manda instalar a Impressão Régia, em 13 de maio do mesmo ano.


‘Não foi generosidade do regente D. João no dia do seu aniversário. Foi necessidade: o povo precisava ser informado a respeito da sucessão de atos promulgados pela coroa’ disse o jornalista Alberto Dines no editorial que abre o programa. ‘Este atraso deixou marcas nas instituições, na cultura e nas mentalidades. Incorporou-se ao nosso DNA. Hoje, no gozo de todas as franquias democráticas, é impossível ignorar as deformações herdadas de um regime tão duradouro, autoritário, teocrático e avesso ao saber’, completou.


A revolução da Bíblia de Gutenberg


O programa apresentou um breve histórico da informação no mundo. Desde a Antiguidade, a humanidade registra acontecimentos através de símbolos. Os escritos mais antigos em forma de jornal são as Actas Diurnas Populi Romanas. O boletim informativo dos atos do senado romano era redigo por ordem do estadista Júlio César. As informações eram afixadas em locais de grande circulação. Depois da queda do Império Romano, começou um longo período de ‘trevas’, em que a censura da igreja, o sistema feudal e o analfabetismo limitaram o mundo cristão aos arautos e à notícia falada. Leitura pública e jograis eram os portadores das novidades. Já no século XV, começam as transformações. O comércio se amplia e os navegadores portugueses e espanhóis desvendam um Novo Mundo.


No Velho Mundo, inovações tecnológicas, papel em abundância e o aperfeiçoamento da tinta facilitavam a arte de imprimir. Foi neste contexto que Johann Gutenberg, nascido em Mainz, Mogúncia, na Alemanha, desenvolveu a tipografia com a invenção dos tipos móveis de chumbo fundido. A prensa já existia, no entanto, era de uso restrito. A vantagem do tipo móvel era a agilidade e a possibilidade de reutilização para impressão em maior escala.


Em 1455, era impresso o primeiro livro: A Bíblia de Gutenberg. Seis prelos foram empregados na obra de mais de mil e duzentas páginas. A impressão com tipos móveis abria caminho para uma nova era da difusão do conhecimento. ‘A partir de Gutenberg, todas as mutações do mundo ocidental foram beneficiadas diretamente pela velocidade e pelo poder de multiplicação da imprensa’, comentou Dines.


Entre os obstáculos para a impressão dos primeiros livros estava o alto custo do trabalho tipográfico, além da perseguição dos governos absolutistas e da igreja. Do Renascimento até o fim do século XVIII, a intensa circulação de cartas e as gazetas manuscritas foram as principais fontes de informação. A historiadora Renata Santos explicou que o surgimento da tipografia é contemporâneo ao da gravura, no final do século XV, e que as duas técnicas surgiram para substituir o manuscrito.


O primeiro jornal foi impresso na Alemanha, em 1605, ou seja, só 150 anos depois da Bíblia de Gutenberg. Mas circulava sem data marcada. Neste período também há registro de diversos outros impressos. O primeiro jornal publicado com regularidade só aparece em 1631, na França, a Gazette. Seu idealizador, Théophraste Renaudot, pretendia libertar os leitores das ondas de boatos. Em Portugal, o primeiro jornal impresso, a Gazeta, começou a circular em 1641 para noticiar a guerra contra a Espanha. A Gazeta de Lisboa, primeiro jornal oficial português, surgiu em 1715. Em 1536 a inquisição instala-se em Portugal e surgem então formas de controle, como a primeira lei que regulamentava a impressão.


A historiadora Márcia Abreu contou a maioria dos países da Europa tinha formas de censura, mas que a atuação do Santo Ofício em Portugal foi mais duradoura. A partir de 1576, toda obra impressa no país precisava de licença do Santo Oficio, do bispo local e do Desembargo do Paço. As três instâncias precisavam entrar em consenso para que uma obra pudesse ser publicada. A historiadora afirmou que, muitas vezes, o ambiente da censura era um intelectual e reunia letrados de diversas correntes do pensamento, ao contrário da imagem propagada de radicalismo.


A impressão no Novo Mundo


As tipografias se espalharam de forma desigual na América entre os séculos XVI e XIX. Na América espanhola, o desenvolvimento da impressão de livros foi anterior ao Brasil. A primeira tipografia surgiu no México e, em seguida, no Peru. A inquisição espanhola era menos centralizadora, mais flexível, e o país encontrou civilizações desenvolvidas na América, como os Incas e Astecas. Entre os objetivos da colonização espanhola estava catequese destes povos e para isso era necessária a impressão de livros.


Para Márcia Abreu, o atraso do Brasil em relação aos outros países da América Latina é apenas cronológico, pois a instalação de tipografias nas colônias espanholas não significou necessariamente o florescimento de uma cultura letrada. A historiadora Tânia Bessone acredita que a demora foi compensada pelo entusiasmo que envolveu os homens de letras no Brasil logo após a instalação da Impressão Régia.


Até meados do século XVIII não existia uma lei específica que proibisse a impressão em terras brasileiras. Era possível até a importação de livros, apesar de um controle das autoridades. A existência de academias comprova que havia demanda para produção impressos. A historiadora Íris Kantor explicou que as primeiras academias surgiram a partir da segunda metade do século XVIII, mas que tiveram curta duração. Já no período pombalino, voltaram a se reunir, mas por apenas um ano. Lorelai Kuri, historiadora, comenta que as academias funcionavam como um ponto de encontro dos homens de letras e ciências para pensar a América luso-brasileira.


A primeira tentativa comprovada de instalar uma tipografia foi em 1747 e fracassou. A iniciativa foi de Antônio Isidoro da Fonseca, um dos mais renomados impressores de Portugal. Assim que soube das atividades do impressor, a Santa Inquisição ordenou o fechamento da tipografia. ‘Se a oficina de Isidoro da Fonseca não fosse desmantelada, se a entrada do Brasil na era Gutenberg tivesse acontecido em 1747, 61 anos antes da instalação da Impressão Régia, nossa história seria diferente’, avaliou Dines.


A Impressão Régia


A decisão de implantar uma tipografia no Brasil fez parte de um projeto real, conforme contou o cientista político Vamireh Chacon. Margaret Lopes, geóloga da Unicamp, comentou que o projeto luso-brasileiro ilustrado já estava em andamento em 1808 e que muitas instituições foram apenas transpostas de Portugal para o Brasil. Além da comunicação com a população, o príncipe regente precisava difundir a instrução pública. O gesto de D João VI foi um marco para as letras, mesmo assim recebeu críticas, como a do jornalista Hipólito da Costa, que afirmou: ‘Tarde, desgraçadamente tarde’. A historiadora Isabel Lustosa explicou que o jornalista apoiava a monarquia, mas teve uma postura crítica diante dos que receberam a instalação da Impressão Régia com excessivo entusiasmo.


A Impressão Régia também imprimiu documentos, obras literárias e textos políticos. Nos primeiros anos, muitas publicações tinham aspecto prático, como livros de medicina e de administração pública. Margaret Lopes afirmou que neste período, além de estimular a circulação de idéias, a Impressão Régia imprimiu material didático para a formação dos alunos dos primeiros cursos superiores do país.


A elite ilustrada formada pelos portugueses e descendentes nascidos no Brasil e pela corte que acompanhou D. João VI à então colônia foi a primeira consumidora das notícias publicadas pela Gazeta do Rio de Janeiro, de acordo com Isabel Lustosa. A folha publicava os atos do governo e notícias da Europa. A historiadora Juliana Gesuelli disse que o jornal nasceu da necessidade do monarca se comunicar com os súditos do Brasil, mas que também era lida em Lisboa.


Outro importante produto da Impressão Régia foi O Patriota, primeiro jornal literário do país, publicado entre 1813 e 1814. Em formato de revista, editava artigos de ciências, artes e cultura. A oficina, ao longo dos anos passou a imprimir não só jornais e livros, mas também estamparias e teve uma oficina de gravuras. O primeiro trabalho encomendado aos artistas foi um mapa da cidade do Rio de Janeiro.


Em 1821, a Impressão Régia era o único órgão que publicava os atos e decretos do governo. No entanto, as obras literárias tinham que passar pela censura prévia, que vigorou em períodos esporádicos e depois foi extinta. A Impressão Régia passou por várias transformações e mudanças de nome até chegar a ser a Imprensa Nacional, nos dias de hoje. Fernando Tolentino, diretor-geral do órgão, destacou o pioneirismo da Impressão Régia, que foi a primeira indústria do Brasil e produtora do primeiro jornal impresso no país.


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Introdução da imprensa não foi generosidade de D. João


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 461, no ar em 13/05/2008


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Os duzentos anos da imprensa brasileira que começam a ser festejados hoje juntam-se ao décimo aniversário deste programa. O resultado é esta série de três apresentações em formato especial que iniciamos hoje.


Em 13 de maio de 1808 foi assinado o decreto que criava a Impressão Régia. A Colônia saía das trevas, onde estivera até então condenada, para ingressar na era moderna iniciada cerca de 354 anos antes em Mainz, Alemanha, com a invenção dos tipos móveis por Johann Gutenberg.


Não foi generosidade do regente D. João no dia do seu aniversário. Foi necessidade: o povo precisava ser informado a respeito da sucessão de atos promulgados pela Coroa. Necessidade e também sorte, porque nos porões da nau Medusa, que participou do comboio que trouxe a Corte de Lisboa, estavam encaixotados os prelos e as caixas de tipos que haviam sido comprados na Inglaterra para a Impressão Régia Lisboeta.


O bom governo exigia uma boa comunicação e, com base num axioma tão simples, desabou a rigorosa censura construída a partir do estabelecimento da Santa Inquisição no Império português, em 1536: 272 anos de silêncio e ignorância.


Este atraso deixou marcas nas instituições, na cultura e nas mentalidades. Incorporou-se ao nosso DNA. Hoje, no gozo de todas as franquias democráticas, é impossível ignorar as deformações herdadas de um regime tão duradouro, autoritário, teocrático e avesso ao saber.


Sem tipografias até 1808 e expostos a uma severa censura inquisitorial, que impediu a chegada das idéias iluministas, pode-se dizer que passamos ao largo do Renascimento por força do calendário e, por vontade própria, deixamos de aproveitar as luzes do final do século 18.


Enquanto os futurólogos extasiam-se com as fantásticas perspectivas que serão trazidas pela tecnologia, nesta série, o Observatório da Imprensa prefere rever a história inspirado na lição de George Santayana: ‘aqueles que não conseguem lembrar o passado correm o risco de repeti-lo.’