O enredo de Número Zero, nome do último romance de Umberto Eco, que conta a história de um jornal (imaginário) criado para difamar, é uma parábola que bem serviria àqueles ainda recalcitrantes em admitir que há limites na informação. As investidas contra a nova Lei do Direito de Resposta (Lei 13.188/2015), capitaneadas pela Abert e a ANJ, as tradicionais entidades que representam a opinião dos grandes meios de comunicação – rádio, televisão e jornal – revelam o jogo de mera resistência aos democráticos mecanismos de defesa e de celeridade no exercício do Direito de Resposta.
Divulgar informação correta e precisa é um dever dos meios de comunicação e uma exigência ética do profissional jornalista. Quando essa conduta não é observada, há o Direito de Resposta em favor do ofendido. O que se espera do bom jornalismo é que a resposta seja espontânea e proporcional ao erro, não se limitando às habituais e insuficientes notas de pé de página do “Erramos”. Não há razoável fundamento para invocar o mantra dos supostos “riscos à liberdade imprensa”. A lei mantém intocada a liberdade de imprensa e de crítica. O que ela garante é o contraditório. Como poderia se defender uma pessoa de destaque ou um cidadão comum que tem estampada na capa de uma revista como a Veja, por exemplo, uma ofensa e calúnia sem provas?
Convenhamos que percorrer o longo e tortuoso caminho das instâncias da Justiça brasileira para obter uma decisão judicial cinco ou dez anos depois de nada vale. O conhecido caso da Escola Base é o exemplo eloquente da falta de mecanismos de responsabilidade da mídia no Brasil. Foi tratado como “furo de reportagem” da TV Globo, em 1994, e denunciava sócios de uma escola infantil por abuso sexual. Somente 18 anos após a TV Globo foi condenada a indenizar as vítimas por disseminar acusações sem provas e falsas. Outro exemplo é o caso de Leonel Brizola contra a Rede Globo, um marco quando se fala em Direito de Resposta no país. Ofendido em 1989, Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, somente conseguiu exercer o direito de resposta cinco anos depois, quando, finalmente, fez Cid Moreira ler, solenemente, por mais de três minutos, em pleno Jornal Nacional, a decisão judicial que principiava com um: “em cumprimento à sentença do juiz de Direito da 18ª Vara do Rio de Janeiro, em ação de Direito de Resposta movida contra a TV Globo (…)”.
Nova lei é bem vinda e merece aplausos
O que muda com a lei? Agora, serão sete dias para que, provocado pelo ofendido diretamente, o veículo de comunicação publique a resposta proporcional ao agravo. E, havendo resistência, em 24 horas o juiz o poderá obrigar a fazer. O prazo para publicar a manifestação é razoável. Jornalistas estão mais do que habituados a apurar fatos em cima da hora, tendo em vista as circunstâncias do próprio fato e os chamados deadlines das redações.
Dizer que a lei corre o risco de servir para personagens de má-fé comprometerem coberturas jornalísticas sobre crimes e corrupção, por exemplo, é algo que não se sustenta. A transparência em ouvir o outro lado, com o devido relato do jornal para expor esse esforço – e mesmo que os personagens em questão abram mão desse direito – é que fará a diferença e impedirá abusos de falsas vítimas a clamar por não terem sido ouvidas.
Parece igualmente frágil o argumento da OAB, que encampou os reclamos dos grandes meios de comunicação e subscreveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo. Alega a OAB que o artigo 10 da Lei cria “evidente desequilíbrio” entre o veículo de imprensa e a parte que se sentiu ofendida, na parte em que exige manifestação de juízo colegiado prévio para suspender, em recurso, o Direito de Resposta. Ora, se a lei tem como objetivo a proteção do ofendido, é salutar que ela crie mecanismos de maior proteção à parte mais frágil, a fim de possibilitar maior eficácia da lei.
Como se vê, o que se ataca são justamente os seus mecanismos de defesa, que são o maior mérito da lei ao tentar superar o já evidenciado vazio constitucional que perdurava. Mas talvez o efeito mais retumbante da regulamentação do Direito de Resposta seja recuperar o espaço do bom profissional jornalista. Aquela reportagem produzida com rigor na apuração do fatos, com fontes e provas, além de espaço à disposição para o outro lado se manifestar em todos os pormenores. Em grande medida, o jornalismo feito de falsas notícias, ofensas e calúnias, anda de mãos dadas com a crescente prática de desvalorização profissional e a precariedade das condições de salário e de trabalho do jornalista. Por isso, a Lei do Direito de Resposta é bem vinda, merece aplausos e, não tenhamos dúvida, fará muito bem à liberdade de imprensa, não apenas da empresa.
***
Dimitri do Valle é jornalista