No dia 15 de maio, discretamente, O Globo descontinuou a edição de sua revista para tablets O Globo a Mais. O fato de não ter havido muito barulho em torno do assunto – nem da parte da empresa nem dos leitores – já é um indicativo de que a iniciativa não emplacou, ou ao menos não alcançou o sucesso esperado pela empresa. Mas quais teriam sido as razões para a descontinuidade de um produto premiado e que reuniu, ao longo de três anos, experientes profissionais do impresso e do online?
Os leitores do Globo a Mais só souberam do fim da revista no próprio dia 15. Depois de três anos de existência, o produto vencedor do Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012 despediu-se sem muitas explicações. Na carta ao leitor, o editor-executivo Pedro Dória informava de maneira direta: “Esta edição que você tem em mãos é a última do Globo a Mais. Mas não é, de forma alguma, o fim de nossa experiência nos tablets e smartphones.” E justificava a medida como uma “parada de arrumação”.
Foi a informação que, cerca de 15 dias antes, recebeu também a equipe do Globo a Mais. O grupo, que chegou a reunir 14 profissionais, no final era composto por 10 integrantes: editora, sub, seis repórteres, um trainee e dois designers. Todos foram realocados em outras áreas, sem compreender bem por que o jornal desistia de um produto merecedor de elogios internos e reconhecimento externo. Souberam que foi uma decisão dos acionistas, leia-se donos, relacionada ao mencionado desejo de criar outro produto. O jornal não teria fôlego para investir nos dois ao mesmo tempo. Falta de resultado financeiro no tempo esperado é a hipótese mais provável para o fim do Globo a Mais. É o que costuma guiar os acionistas, afinal.
O número de leitores não era pequeno – 35 mil downloads/mês, tendo chegado a 45 mil em janeiro deste ano. Para efeito de comparação, a tradicional Elle, da Editora Abril, tem 36 mil assinantes, para uma tiragem de 73 mil exemplares impressos. Era, contudo, uma audiência muito abaixo dos padrões de outros produtos digitais do Infoglobo. O site, por exemplo, registra 19 milhões de visitantes únicos por mês (ICV Online/Maio 2015). O Globo Mobi, acesso ao conteúdo do jornal via celular, 10 milhões. Não à toa, era o produto que oferecia a página publicitária mais barata do portfólio do Globo (R$ 18 mil/semana).
Em termos de assinatura, O Globo a Mais começou com vida própria, mas logo foi incorporado à oferta de outros produtos ou combos. Os assinantes digitais, assim como os do impresso, levavam a revista junto. Assim, a receita gerada ficava um tanto quanto indiferenciada. Podemos pensar, portanto, que dentro da estrutura de custos da empresa, era um produto deficitário, incapaz de sustentar os salários e outras despesas envolvidas na produção diária do conteúdo jornalístico. Em outra estrutura, mais enxuta, desvinculada de uma empresa como O Globo, talvez pudesse apresentar lucro.
Maturidade do mercado
A experiência do jornal no tablet nos oferece uma boa oportunidade de pensar em que medida o mercado brasileiro está atento e interessado nos produtos jornalísticos digitais, ao menos naqueles que representam uma continuidade em relação ao impresso, como era o caso do Globo a Mais. Por trás da plataforma moderna e da forma inovadora de dispor o conteúdo, utilizando recursos multimídia, estava o modelo tradicional de se fazer jornalismo, baseado na palavra impressa e na produção de um pra muitos. A revista circulava diariamente de segunda a sexta, a partir das 18h, com reportagens bem cuidadas, um bom resumo das notícias do dia, textos exclusivos dos colunistas do próprio Globo e muitos recursos multimídia.
Mais de uma vez conversamos com alguns profissionais e pudemos perceber que trabalhavam com bastante prazer e liberdade, dentro dos limites da linha editorial. “Jornalismo de profundidade” era o mantra da equipe. Mas será que o leitor esperava algo mais? Ainda que voltado para um público mais adulto – justamente o perfil do leitor do jornal, que se concentra na faixa dos 25 aos 34 anos –, o Globo a Mais deparou com o dilema de ter que inovar, testar linguagens e formatos adequados às novas plataformas, sem esquecer quem é: um produto jornalístico do Globo, com basicamente os mesmos colunistas e o mesmo estilo. E precisava fazer isso sem perder muito dinheiro, ou terminaria esbarrando nos limites onde os acionistas estariam dispostos a ir.
Se havia o desafio de criar um novo produto entre o impresso e o digital, existia ainda a indefinição quanto ao futuro da própria plataforma. Há três anos, a companhia de pesquisa NPD DisplaySearch previa que a venda de tablets superaria a de notebooks até 2016. Naquele mesmo período, o dispositivo da Apple levava grande vantagem em relação aos concorrentes baseados no Android. Ocorre que o iPad continua caro para os padrões brasileiros, perdeu participação no mercado em todo o mundo, e a expansão talvez não se dê na velocidade esperada. Se há alguma lição, talvez seja esta: não se deve confiar demais nas pesquisas.
Vale, aqui, abrir dois breves parênteses. O primeiro para mostrar o quanto podemos nos empolgar com as pesquisas, como se fossem uma previsão infalível: em 2004, uma empresária do ramo da comunicação resolveu criar um jornal vespertino. As pesquisas diziam que os leitores estariam dispostos a ler uma publicação ao final do dia. Acontece que pesquisas não leem jornal e uma coisa é o leitor dizer que estaria disposto e outra é efetivamente ler. A experiência durou menos de seis meses. O segundo é para lembrar que lançar um produto acreditando na rápida expansão de determinada tecnologia pode ser uma aposta muito perigosa. Em 1994, a revista multimídia Neo Interativa chegava ao mercado inaugurando um nicho completamente novo para os produtos jornalísticos. Misturando reportagens bem feitas com som e imagem, a publicação durou três anos e conquistou uma pequena base de leitores que possuía um equipamento de luxo à época: um computador com leitor de CD-ROM Double speed. Esbarrou na lenta evolução da base e foi atropelada pela chegada de uma nova plataforma, que rapidamente destruiria o segmento de produtos baseados em CDs: a internet.
O Globo não se pronunciou com mais profundidade sobre o fim da revista. Mas há uma última questão-chave a ser avaliada: será que a cúpula acreditava realmente no projeto? Se sim, por que não badalou mais o produto e a equipe, com reportagens, entrevistas e artigos, inclusive fora do Globo? Por que não fez mais propaganda? O Globo a Mais termina sem que muitos leitores fiéis do Globo sequer tenham chegado a conhecê-lo. A foto escolhida como “imagem do dia” da edição final reflete a sensação de vazio que fica para muitos de seus leitores e ao menos parte de sua equipe. Na cena, o personagem Carlitos, de Charlie Chaplin, amassa e joga fora uma folha de papel rabiscada e vai embora despretensiosamente. Vida que segue.
O que virá em seguida, nesses tempos bicudos para o jornalismo? A intuição sobre qual será a nova aposta editorial do Globo para atender o nicho crescente dos dispositivos móveis aponta para um aplicativo de melhor qualidade para smartphones, não apenas da Apple, mas também para os de sistema Android. Fica a torcida para que seja um produto que invista não somente numa boa interface tecnológica, mas também continue apostando em jornalismo de qualidade.
***
Carla Baiense e Larissa de Morais Ribeiro Mendes são jornalistas e professoras de Comunicação Social