Já tratamos neste Observatório (‘O controle social é necessário‘), na edição de 30/11/2004) do patrocínio público da mídia e das origens das verbas publicitárias. Naquela ocasião, questionávamos que, segundo alguns estudos, cerca de 70% da sobrevivência da grande mídia vêm do patrocínio governamental, via administração direta, indireta ou empresas estatais. Reproduzimos alguns dados oriundos da Secretaria de Comunicação do Governo e Gestão Estratégica, órgão da Presidência da República, dando conta, por exemplo, de que em 2001, às vésperas de ano eleitoral, diga-se de passagem, somente o Executivo federal gastara quase 900 milhões de reais em mídia. Esse valor, informava uma nota de rodapé na tabela dos investimentos em mídia do governo federal, não incluía os gastos com publicidade legal, produção e patrocínio.
Aproveitamos o ensejo para registrar que, durante uma semana, estivemos monitorando os telejornais exibidos pelas principais emissoras de televisão de Minas Gerais. Também ouvimos as principais emissoras de rádio e nos surpreendemos ao observar que vários dos telejornais e jornais radiofônicos são patrocinados por empresas públicas. Não que isso seja ilegítimo; porém, fica claro o patrocínio governamental dos noticiários.
Relação comprometedora
A trajetória do jornalismo impresso mineiro, desde o início do século passado, revela que a maioria dos principais veículos (Estado de Minas, Hoje em Dia, O Tempo) nasceu ligada a grupos de interesses. O primeiro faz parte do conglomerado dos Diários Associados, grupo fundado por Chateaubriand, que, pelo menos em Minas Gerais, sempre teve postura marcadamente favorável ao governo. Essa posição de alinhamento ao Palácio da Liberdade foi quebrada no governo de Newton Cardoso (1987-1990) que, descontente com uma série de denúncias publicadas pelo Estado de Minas, fundou o Hoje em Dia (1988), atualmente sob o controle da Igreja Universal do Reino de Deus. Já O Tempo surgiu em decorrência de denúncias publicadas pelo Estado de Minas contra o deputado federal Vitório Mediolli, ex-PSDB e agora no PV.
É verdade que vários jornais impressos, a partir de 1920, foram criados em Minas. Poucos sobreviveram, pois, em sua maioria, eram lançados para alavancar candidaturas políticas.
Esse pequeno histórico da imprensa escrita mineira mostra que a relação entre os veículos e os grupos de interesse político compromete, no mínimo, a cobertura política.
Nada de jornalismo
Em relação à mídia televisiva, destacam-se, em Minas Gerais, a TV Globo, cuja linha editorial todos conhecemos e que só recentemente tem investido com mais evidência no jornalismo regional e local, e a TV Alterosa, do mesmo grupo do Estado de Minas. Portanto, em se tratando de emissoras de televisão, podemos dizer que os dois principais veículos (não obstante a qualidade e a eficiência dos profissionais de jornalismo que neles trabalham e da explícita concorrência comercial entre ambos) estão jogando no mesmo lado, ou seja, tendem a se alinhar com o governo do estado, salvo raras exceções, circunstâncias ou oportunismos. Ressalva seja feita, a TV Bandeirantes apresenta aparente autonomia editorial, apesar de ultimamente exibir com grande freqüência imagens produzidas pela Secretaria de Comunicação do Governo do Estado em seus telejornais. Mas, neste caso, a emissora cita a fonte.
No rádio, a Itatiaia absorve boa parte da audiência. Ligada a um empresário perspicaz, a emissora tende a oscilar entre a independência editorial e o apoio explícito a determinados governantes. A Globo e a CBN exibem um jornalismo de indiscutível qualidade, politicamente ditado pelos interesses da família Marinho. Os afagos entre os Marinho e o atual governador de Minas, atualmente, são evidentes.
Várias emissoras são ligadas a grupos religiosos, inclusive em freqüência modulada (FM). Verdadeiros púlpitos eletrônicos, algumas dispõem de reduzida equipe de jornalismo; outras montam equipes de jornalismo que cobrem somente o interesse da mantenedora; ou seja, de jornalismo não têm nada. Em período eleitoral, algumas tendem a apoiar os interesses dos grupos que as mantêm, ora discretamente, ora burlando a legislação vigente.
Seria isso ético?
Tenho estranhado, ultimamente, a veiculação de um tipo de propaganda de programas governamentais em TVs e emissoras de rádio. Esses comerciais são assinados como sendo apoio institucional do veículo midiático. Para citar alguns exemplos: a TV Alterosa está exibindo um comercial sobre uma ação de descentralização da gestão pública da Secretaria Estadual de Saúde, o chamado ‘Pró-Hosp’. A propaganda tem o sugestivo título ‘Minas tem boas idéias’ e é assinada como sendo apoio da emissora. Já a TV Globo exibe um filme, em seus intervalos comerciais, do programa de controle de homicídios da Secretaria de Defesa Social – justamente num momento em que todos os indicadores de criminalidade apontam para o agravamento da questão em Minas e na região metropolitana de Belo Horizonte. Esses comerciais são produzidos e veiculados pela própria TV Globo Minas.
Por que as emissoras não informam, explícita e transparentemente, que são programas do governo do estado apoiados pela empresa? Por que essa aparente confusão entre o interesse público (já que os dois programas citados devem ser importantes para a cidadania) e o interesse comercial das emissoras – que evidentemente dependem de verba pública para sua manutenção? Por que omitir a autoria da gestão dos programas, nos comerciais?
Várias emissoras de rádio veiculam, em intervalos comerciais, algumas ‘pílulas’ com textos claramente produzidos para informar ações de governo. Também omitem informação, pois não citam, nas narrativas, que são programas governamentais. Por sua vez, alguns jornais impressos reproduzem matérias produzidas pela assessoria de imprensa do Palácio da Liberdade, sem citar fonte e, pior, reproduzindo ipsis litteris o texto que, algumas vezes, consta na página oficial do governo do estado na internet. Recentemente, no lançamento da chamada ‘Linha Verde’ (via expressa a ser construída pelo Executivo estadual, ligando o centro de Belo Horizonte ao Aeroporto Internacional de Confins) – divulgada como uma obra sem precedentes por toda a imprensa mineira, tendo como fonte o próprio governo do estado –, textos, imagens e fotos, produzidos pela assessoria de comunicação do Palácio da Liberdade, foram fartamente reproduzidos por vários veículos sem que informassem a fonte. Seria isso ético?
O melhor dos mundos
Ora, se a assessoria do governo produz as matérias, fica muito cômodo para os veículos a mera reprodução. Será que os jornalistas não percebem que, desta forma, acabarão as editorias de política local?
Acontece que esperamos da imprensa uma análise imparcial e séria das ações governamentais. Esse tipo de atitude é importante para a imprensa, que terá crédito por parte dos cidadãos; estes, por sua vez, terão na imprensa importante parceira na construção da democracia que, finalmente, agradece a isenção e o compromisso ético dos órgãos de comunicação. Por fim, os governantes agirão com mais rigor, pois terão numa imprensa independente a necessária vigilância dos seus atos administrativos. Portanto, todos ganham se a relação da mídia com o poder for independente, responsável e ética. Noutro extremo, se a relação não for clara e objetiva, alguém perderá. Obviamente, os receptores, ou seja, os cidadãos.
Controle (social), ética (jornalística) e transparência (editorial): um trinômio que se compõe com outro, formando seis palavras inseparáveis, resume o melhor dos mundos na relação tortuosa entre a mídia, os governos e a sociedade. Primeiramente, defendemos a necessidade do controle social da mídia. Esse expediente serviria para minimizar, entre outros, os efeitos maléficos dos ditames do capital nas empresas de comunicação e as relações promíscuas entre os políticos, entre os quais os governantes de plantão, e os veículos, inibindo, noutro extremo, a possibilidade da ditadura da mídia.
Jornalismo livre
Em relação à ética jornalística algumas questões merecem reflexão: primeira, até que ponto o jornalismo está a serviço da vida, da verdade, da justiça? Seriam esses princípios facilmente capitulados pelas relações comerciais, fundamentais para a sobrevivência das empresas de comunicação? E ainda, os jornalistas têm recebido a devida formação acadêmica e acompanhamento profissional, objetivando a compreensão das imbricadas relações de poder que rondam o universo da comunicação no Brasil? Ou ainda prevalece a ética pessoal sobre a ética pública?
Finalmente, a sociedade exige e espera transparência no trato da informação, principalmente quando se trata de informação sobre a coisa pública. Transparência, neste caso, significa o apreço e a fidelidade à exposição da verdade dos fatos, com a devida liberdade para informar aquilo que é direito público e dever dos órgãos de comunicação social.
Portanto, reafirmamos, neste Observatório, aquilo que sempre defendeu este veículo: a importância de um jornalismo livre, ético, crítico e cidadão, que impede e repugna o estabelecimento de um pacto velado de simpatia entre governantes e empresas jornalísticas, que compromete a cobertura da imprensa, mas, principalmente, que embaça e/ou esconde a verdade.
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Filósofo, especialista em Teoria e Prática da Comunicação Social (USF-SP), mestre em Administração Pública, assessor de imprensa, professor da PUC-Minas, integrante da União Cristã Brasileira de Comunicação Social