Merece muita atenção a conclusão do relatório do comitê formado pelo New York Times sobre medidas a serem tomadas pelo jornal com o objetivo de aumentar a sua credibilidade: ‘O New York Times deve sair do seu pedestal’. Pelo menos, foi esta a maneira como a imprensa brasileira (O Globo, 10/5/2005) resumiu a questão.
O comitê, formado por 11 editores, seis repórteres, um redator e um fotógrafo, sugeriu, entre outras coisas, que as críticas ao jornal sejam respondidas mais diretamente, que editores e repórteres sejam mais acessíveis aos leitores e que editores-executivos sejam estimulados a fazer isto mesmo em que se empenha este Observatório da Imprensa, ou seja, observar o jornal. Segundo o relatório, ‘no ambiente da mídia atual, não dar respostas é danoso à nossa credibilidade’. [Leia a íntegra do documento do NYT, em inglês, arquivo PDF, clicando aqui ]
Mesmo levando-se em conta os dissabores do grande jornal norte-americano com a fraude de Jayson Blair e com as informações falsas sobre as ‘armas de destruição em massa’ de Saddam Hussein, não há como deixar de ver nas preocupações do New York Times a influência da informação online. De fato, o tradicional ‘pacto informativo’ do jornal com seu público está mudando paulatinamente sob as pressões das novas práticas informativas correntes na internet, dita ‘mídia instantânea’, onde o antigo ‘público receptor’ constitui-se agora como fonte emissora, devido às possibilidades técnicas de que se investe todo e qualquer indivíduo munido de um computador, modem, linha telefônica ou banda larga.
Por um lado, os blogs ou fontes informativas de natureza individual implicam uma intervenção pessoal nos discursos socialmente circulantes (ainda que, em princípio, limitados ao espaço das redes cibernéticas) e acabam influenciando a pauta jornalística profissional.
Os pesquisadores da internet têm produzido um material razoável sobre o assunto, geralmente apontando o surgimento de novas formas de autentificação das fontes ou então mostrando como o número de visitas dos internautas a um determinado site (comprovado pelos ‘cliques’), em busca de um determinado assunto, é capaz de estabelecer uma pauta. Em outras palavras, é o leitor quem termina determinando a notícia, intervindo diretamente na competência logotécnica do especialista (o jornalista profissional) para dar maior relevância ao logotécnico amador.
Tempo real
Há aqui algo de significativamente diferente em matéria de tratamento da informação. Não que essas diferenças inexistam no que diz respeito à mídia tradicional. Elas sempre foram evidentes, segundo a natureza do meio de informação (jornal, revista, etc.) e dos seus respectivos públicos, assim como sempre houve grande diferença operativa entre a mídia impressa e a eletrônica, apesar do seu conhecido ‘curto-cirtuito’: a televisão baseia-se muito freqüentemente na imprensa escrita, mas esta é ao mesmo tempo bastante influenciada pelas imagens televisivas.
O que não muda em tudo isso é o modelo da comunicação massiva, em que o poder de difusão permanece basicamente em mãos do jornalista empregado pela organização de mídia, cuja lógica de trabalho não pode deixar de estar antenada com determinadas representações e expectativas do grande público receptor.
Com a internet, entretanto, emerge uma outra lógica – e aqui está a diferença significativa –, que desloca para o receptor grande parte do poder de pautar os acontecimentos.
Isto implica dizer que, na medida em que se altera o código de leitura no sentido de um papel mais ativo por parte do leitor, mudam igualmente os critérios de definição do acontecimento jornalístico.
De fato, num mundo posto em rede técnica, modifica-se profundamente a experiência habitual do tempo: virtualmente conectado a todos os outros, cada indivíduo pode ser alcançado sem demora, nem período marcado, por qualquer um. Isto é precisamente o tempo real, ou seja, a abolição dos prazos, assim como dos tempos mortos (a reciclagem do ócio pelo sistema de informação) pelos dispositivos técnicos integrados em nossa ambiência cotidiana.
Nova conjuntura
Nesse mundo de temporalidade fluida, onde o estável e o durável são postos em crise, fica afetada em vários planos a própria periodização da existência. Um deles é o da indistinção entre tempos de atividade: o tempo do trabalho pode ser o mesmo da diversão ou da formação educacional.
As etapas ou os momentos antes tidos como especiais diluem-se agora no frenesi de uma presença permanente em rede. Como o acontecer é ininterrupto, fica difícil conceber atividades ‘desligadas’ ou com duração, isto é, que escapem ao ordenamento rítmico do acontecimento. Este último confunde-se, às vezes, com o clique do usuário de um computador conectado à rede cibernética.
Posta neste novo tempo – temporalidade condensada no presente, eterno presente –, a informação tende a ser pontuada por sua própria operatividade técnica (a velocidade de transmissão) e pelas características de instantaneidade, espaço ilimitado e baixo custo da rede cibernética, Tende, assim, a pôr em crise a própria identidade do jornalismo como funcionalidade específica de um grupo profissional, voltado para a definição e seleção dos acontecimentos.
Nesta nova conjuntura técnico-profissional, a reflexão sobre a sua própria prática, a observação acurada da notícia em termos de fontes informativas e o cuidado com temas de real interesse do público-leitor contemporâneo tornam-se tópicos imprescindíveis ao jornalismo institucionalizado. O relatório do New York Times é sintoma dessa preocupação,
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Jornalista, escritor, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro