Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Algo de ranzinza nos editoriais

Um tio nosso, médico anestesista no interior do estado, sujeito correto e franco, dizia-nos, nos anos 60, que levava o jornal O Estado de S. Paulo debaixo do braço para o hospital, e assim, já por osmose, ia absorvendo as orientações do reputado matutino. Penso com freqüência no bom Alberto ao ler editoriais do Estadão, hábito esse talvez repetido diariamente por 300 mil pessoas da elite no estado que é a locomotiva do Brasil. Sendo enorme o poder de influência da pág. A3 há que se denunciá-la quando abusar.

Nesta quinta-feira, 12 de julho de 2007, tivemos na A3 ‘Há algo de podre na república brasileira’, a propósito do novo relatório do Banco Mundial sobre corruption control no Brasil. Invocando o escândalo nas licitações da Petrobrás divulgado no mesmo dia da publicação do relatório do Bird, o ânimo do editorial não fica camuflado, ele é explícito desde o primeiro parágrafo. ‘… o País nunca esteve pior, nesse ‘requisito’, desde que o Bird iniciou, em 1996, o levantamento sistemático do estado da governança no mundo’. Vale dizer: no reinado tucano era muito melhor.

O Estadão faz questão de sugerir a idéia de novidade da roubalheira na era petista, de inédito nas falcatruas brasileiras.

O bedel e os pivetes

Era melhor, está implícito nas afirmações do Estadão, porque ‘caiu a qualidade dos marcos regulatórios…’ Não foi neste mesmo jornal que se lia, faz uma semana, que Dilma Roussef segura a contratação das obras na Rio-Bahia aguardando a queda da taxa de juros embutida nos preços dos empreiteiros para 8,95% ao ano, taxa essa que reflete o país agora com sobra sistêmica de dólares? O Brasil superou a era escandalosa dos anos 70, quando obras públicas deixavam 30% de margem, mais outros tantos de suborno e nossa sobrevida entregue à finança mundial. Com toda a demora do processo que é preciso recuperar, é notável que uma administração petista chegue ao ponto de hoje, mas isto é outra história.

O editorial prossegue com figuras de Shakespeare, evoca Hamlet e as sujeiras do reino da Dinamarca. Só que a podridão por aqui seria muito pior. Como ainda não vi o Estadão – aliás, como também a Folha, para ficar na imprensa paulista – dar reconhecimento explícito a Lula pela competência no combate à corrupção, surpreendi-me com esse anônimo e impessoal ‘…em que pesem os esforços dos governos para combatê-la’. Mas se exige de Lula que ele seja o bedel num liceu infestado de pivetes como é o Brasil.

Éramos menos politizados

O editorialista, por dever de honestidade intelectual, teria que reformar edições anteriores em que Lula foi acusado de apoiar Renan Calheiros. Deveria creditar ao presidente uma parte do fenômeno de progresso político que permite ao jornal identificar um exército Brancaleone dos que no Congresso ainda defendem Renan depois que a PF derrubou sua máscara. Hoje se ri disso e do senador ameaçar chutar seu caso para o Supremo Tribunal Federal, invocando vícios no procedimento do conselho.

A sociedade brasileira progride. Engana-se quem pensa que a corrupção está se tornando mais persistente e disseminada. No tempo em que Jader Barbalho tentava chantagear FHC com os votos do PMDB para se livrar de crimes – quando também o presidente precisou representar alguns papéis – ríamos menos porque éramos menos politizados.

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Dirigente de ONG, Bahia