Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Alto clero jornalístico prefere churrasco. E a siesta.

Na primeira página da Folha de S.Paulo (segunda, 12/9), o colunista Carlos Heitor Cony classificou como ‘asnáticas’ algumas perguntas dos repórteres na entrevista coletiva de Severino Cavalcanti. O leitor animou-se com a chamada, certo de que encontraria a página 2 do jornal pegando fogo.

Engano. Além do artigo do colunista, ficaram completamente quietas as poderosas baterias do jornalão. Mesmo aquelas cujos artilheiros só comparecem às segundas. A Folha deu a chamada obrigatória para a página de opinião, mas a página de opinião era, na melhor das hipóteses, da semana passada. Exceto, é claro o cantinho de Cony.

A oportuna análise de Fernando Rodrigues sobre as conseqüências das declarações do presidente da Câmara foi despachada para junto do noticiário. Tudo para manter a página 2 da segunda-feira envolta na modorra dominical e não incomodar a ninguém. Muito menos a altíssima direção.

Mas o jornal dedicou quase quatro páginas à segunda entrevista coletiva dominical em Brasília das últimas três semanas. Esta entrevista prenuncia um inédito confronto na Câmara Baixa entre o presidente e o plenário – com um substancial incremento na fogueira que arde há quatro meses e está moldando o destino do país.

Ases da reportagem

O Estado de S.Paulo foi ainda mais longe e fez questão de exibir suas páginas 2 e 3 com cara de Bela Adormecida. Enquanto um único repórter político (Diego Escosteguy) produzia três matérias, o poderoso jornalão não conseguiu convocar um único comentarista para examinar as implicações da fala do presidente da Câmara.

O Globo tem a sorte de contar com dois analistas políticos exclusivos das segundas, por isso apresentou-se com uma edição normal, sem o jeito mal-amanhado dos concorrentes. Se a semana política brasiliense esticar-se como promete, tem condições de acompanhá-la com naturalidade.

O ministro Palocci percebeu o potencial de reverberação de uma coletiva convocada para um domingo na capital federal e aproveitou-o magistralmente. O presidente da Câmara, esperto, foi atrás. A imprensa que há anos reclama contra o encolhimento da semana parlamentar para três dias tem obrigação de aproveitar este acesso de vitalidade das autoridades.

Pode-se compreender a indignação de Cony ao qualificar de ‘asnáticas’ as perguntas de alguns repórteres que cobriram a coletiva severina, mas os que falharam foram os ases da reportagem política brasiliense ao preferir o churrasco e a soneca dominical à desagradável tarefa de enfrentar o tosco Mussolini que hoje preside a Câmara dos Deputados.



Na ‘metrópole Daslu’, chacina não é notícia

O que é considerado chacina no glossário jornalístico brasileiro – três assassinatos simultâneos, cinco, doze, trinta? Uma família de cinco pessoas torturada e, em seguida, carbonizada e assassinada na periferia de São Paulo não se enquadra no ranking de chacina?

Qualquer que seja a classificação, a verdade é que a cobertura policial da grande imprensa paulista além de claudicante é enganosa – mascara a extensão da violência na maior cidade da América do Sul. E como a imprensa carioca mantém a tradição do jornalismo policial, a ex-Cidade Maravilhosa carrega nacionalmente a imagem de capital da violência urbana.

Na manhã de domingo (11/9), num modesto sobrado da Zona Leste paulistana, foram assassinadas cinco pessoas de uma família de origem japonesa, depois de terem sido torturadas durante a madrugada: um casal de aposentados, um filho (que chegara há dois dias do Japão), sua irmã e uma cunhada. O filho desta, bebê de 11 meses, foi poupado nos braços da mãe (que levou um tiro na cabeça), e o pai conseguiu escapar.

Além de incendiar a casa, os criminosos roubaram o dinheiro que os irmãos haviam trazido do Japão. O casal de aposentados morreu carbonizado.

Os dias que valem

A Folha ocupou a primeira página do seu caderno local (‘Cotidiano’) com uma boa reportagem, mas não achou importante destacar a barbaridade na primeira página. Este tipo de ocorrência pode abalar o deslumbramento da Cidade Daslu.

O Estadão, fleumático desde que adotou o estilo Armani, nem isso: a matéria saiu em duas colunas na terceira página do caderno local (‘Metrópole’), igualmente ignorada na primeira página.

A edição do Globo que circula em São Paulo não deu uma única linha.

As redações teoricamente estariam funcionando aos domingos, pois os jornais saem às segundas. Também, teoricamente, todas as edições se equivalem – afinal, os jornais se apresentam como diários e cobram o mesmo preço ao longo da semana, exceto aos domingos.

Por que, então, o desleixo e negligência das edições da segunda-feira? O compromisso público da imprensa não vale neste dia? (Alberto Dines)