Não são apenas os empresários da mídia ou os executivos dos departamentos comerciais, também as chefias das redações só pensam naquilo.
Não se discute jornalismo, não se escreve sobre jornalismo, não se buscam novos caminhos para o jornalismo. Os porteiros das redações estão obcecados com o chamado ‘modelo de negócio’. Vão aos seminários, deitam falação nos eventos profissionais – tal como o Juquinha – com uma idéia fixa: a monetização da comunicação.
São pagos para melhorar a qualidade da informação periódica, a sociedade preparou-os e incumbiu-os de manter e aprimorar um sistema confiável e livre para a distribuição de conhecimentos, no entanto mimetizam as instâncias superiores, assumindo-se como gerentes comerciais. Esquecem os conteúdos que lhes compete aprimorar, estão se lixando para a superficialidade, a banalidade, a simplificação e os descaminhos do conhecimento que lhes caberia corrigir.
Reinventando a roda
Querem reinventar um serviço público que funciona de forma ininterrupta e exemplar há pouco mais de 400 anos e introduzir modificações que vão alterar sua própria natureza. A distribuição periódica de informações converteu-se numa das grandes criações do engenho humano a um custo ínfimo – tostões. E com estes tostões multiplicados por milhares de exemplares construíram-se sociedades desenvolvidas e impérios econômicos. De repente, pequenos imperadores começaram a fascinar-se com a possibilidade de vender enganos (ou bolhas), voluntariamente ignoraram Marshall McLuhan e confundiram meio com mensagem.
A internet é uma ferramenta, a rede mundial de computadores é um sistema integrado de ferramentas. Se este fenomenal aparato tecnológico não consegue manter a qualidade da tecnologia anterior, não é revolucionária — é apenas complementar. O Twitter é uma forma de dizer ‘olá, como vai, o dia não está lindo?’. Não é um conduto para a circulação de idéias minimamente elaboradas. É um teaser, chamadinha – sacou, cara?
O que os chefões do jornalismo deveriam discutir neste momento crucial é a ontologia do jornalismo e da imprensa, sua razão de ser, sua essência, o incomparável milagre da sua sobrevivência. A sociedade lhes confere fé e credibilidade para melhorar o mundo e não para piorá-lo.
Soluções generalistas para situações particulares
Parte da atual crise da imprensa é fruto das empresas de consultoria, especialistas em vender soluções generalistas para situações particulares. Imaginam que as mesmas chaves servem para portões e portinholas. A famosa capa do Economist sobre a morte dos jornais (ver aqui) só continha opiniões de consultores e de um único jornalista, aliás brasileiro e pouco familiarizado com a prática da reflexão (ver também ‘Revista decreta a morte de jornais‘). Essas consultorias vivem de crises: num mundo sem turbulências – naturais ou artificiais – tornam-se descartáveis.
O vaticínio aparentemente confirmou-se porque a imprensa tem o poder de confirmar qualquer coisa. Prevê, adapta, conforma, comprova e, quando se arrepende, passou o perigo.
Convém reparar que a bolha da tecnologia seguiu-se à euforia do ‘fim da história’ e dos conflitos ideológicos, como se a partir daquele momento a sociedade humana prescindisse da busca permanente da verdade. Claro, não foi uma conspiração, foi um descuido coletivo, fruto da descompressão.
Assim como algumas potências emergentes estão conseguindo enfrentar a pandemia econômica mundial, em determinadas sociedades e regiões a mídia impressa está conseguindo enfrentar e superar as ameaças fabricadas pela fértil imaginação dos consultores.
Bussiness talk sobre o fim dos impressos
A edição de 16 de maio da mesma Economist foi excepcionalmente midiática: cinco textos sobre a crise do jornalismo (um deles servia de suporte opinativo para uma grande matéria sobre o apocalipse dos impressos — ver aqui). Destes, apenas um tratava exclusivamente de conteúdo: a resenha da biografia de um dos mais celebrados jornalistas e críticos da mídia dos EUA nos últimos tempos [American Radical, The Life and Times of I.F. Stone). O resto era business talk.
Vender a idéia do fim dos impressos foi um péssimo negócio. Tanto assim que no dia 27 de maio, Gavin O’Reilly, presidente da Associação Mundial de Jornais (WAN, em inglês), declarou numa reunião em Barcelona que, contrariando todos os prognósticos, a venda dos jornais impressos no mundo teve em 2008 uma alta de 1,3%.
Alta irrisória é verdade, mas o final de 2008 marcou o início da débâcle econômica mundial. Diante da iminência de um crash maior do que o de 1929, os leitores foram buscar explicações, queriam entender o que se passava. O dispara-despenca das Bolsas de Valores servido pelos portais era insuficiente.
Exemplo brasileiro
Veja-se o caso do Brasil: apesar do formidável crescimento da internet, apesar da existência de pelo menos quatro poderosos portais de notícias, o nosso jornalismo virtual não consegue competir com os meios tradicionais (jornais, rádios e TV). Está sempre aquém e abaixo. Salvo em situações muito especiais, como foi o caso da tragédia do vôo 447 da Air France na segunda-feira (1/6), em que os meios digitais ficaram sozinhos ao longo do dia até a hora dos telejornais.
Em dias normais, nossos portais emudecem depois das 22 horas e só vão despertar quando os jornais impressos começam a chegar às bancas e aos assinantes. Desperdiçam dez preciosas horas, quase metade da jornada, e no lugar de oferecer pela manhã um produto mais atualizado, mais bem acabado, e capaz de superá-los, contentam-se em funcionar como complementos.
A morte dos jornais impressos só se dará quando os portais de notícias dispuserem do mesmo arsenal noticioso, opinativo e analítico. Isso levará tempo para consumar-se ou talvez nunca se consume por falta de investimentos ou apoio publicitário.
A crise de identidade não está no papel, está no mundo virtual, apressado demais, fragmentado demais, monetizado demais para compreendê-la. A angústia dos papeleiros pelo ‘modelo de negócios’ é artificiosa. Quem não sabe para onde vai é a fantástica revolução da internet.
Infelizmente, isso só pode ser dito com todas as letras num veículo virtual. Como este. Os donos do papel, ao contrário de Hamlet, não gostam de discutir questões ontológicas.