Na quinta-feira (14/4), o sociólogo Fernando Henrique Cardoso escreveu um artigo que, sendo a política um alentado jogo de xadrez, desarrumou completamente as peças do tabuleiro. Nem seus leais admiradores e amigos de longa data se atreveram a parabenizá-lo em público. Obviamente isto deve ter doído fundo na alma do autor que é referido por 10 entre 10 pessoas que o conhecem como o próprio ‘príncipe da vaidade’.
E por que o artigo mexeu com os brios de gente aliada e forneceu munição pesada a tantos de seus críticos contumazes? Por uma questão apenas: seu partido não deveria lutar pelo povão e sim buscar respaldo na emergente classe C, aqueles que desenvolveram um senso crítico acima da média e deram início não a uma vida pautada pela cidadania e sim pelo consumo.
Façamos um exercício mental deixando um pouco ao largo a questão político-partidária e trazendo à frente a questão da imprensa. E se verdades antes apenas pressentidas passassem a ser declaradas com todas as vogais (e consoantes) por quem detivesse autoridade, por quem – como dizem os que estudam análise de conteúdo – exercesse autoridade no lugar da fala? Sem muito esforço, após ter passado os últimos anos analisando as idas e vindas da grande mídia e seu real papel como mediadora da informação junto à sociedade brasileira, logo percebi que ao menos umas doze afirmações teriam o poder de desarrumar, com igual contundência, o tabuleiro em que se espalham as peças da nossa vistosa imprensa.
Dia, mês, ano
1.
A imprensa deveria deixar de informar a opinião pública e trabalhar apenas para formar ‘a sua’ opinião pública;2.
A imprensa deveria deixar de buscar o interesse dos leitores em geral e escrever apenas para os empresários, os anunciantes atuais e também os potenciais e para a classe de jornalistas que entende ser formadora de opinião;3.
A imprensa deveria transformar em escândalos reais todo e qualquer indício de corrupção que viceje no entorno da presidenta Dilma Rousseff;4.
A imprensa deveria aproveitar uma reunião de sua Associação Nacional de Jornais e aprovar a criação de um Partido da Imprensa Brasileira, tendo como missão maior manter no poder por pelo menos 30 anos governos inteiramente dóceis aos seus interesse financeiros e comerciais;5.
A imprensa deveria aparelhar a sociedade brasileira com novos avatares: o MST da Imprensa, a CUT da Imprensa, a UNE da Imprensa, os Blogues Amarrotados da Imprensa, as ONGs da Imprensa, a Bancada Ruralista da Imprensa, a Bancada da Bala da Imprensa e assim por diante;6.
A imprensa deveria pressionar o governo a presentear cada beneficiário potencial da transposição de águas do rio São Francisco e cada futuro proprietário de moradia do programa Minha Casa, Minha Vida com a assinatura de duas revistas semanais – Veja e Época – e dois jornais de circulação nacional impressos em São Paulo e no Rio de Janeiro;7.
A imprensa deveria continuar pressionando determinados governos estaduais a adquirirem milhares de assinaturas de jornais e revistas para ampla distribuição aos professores de suas redes públicas de educação;8.
A imprensa deveria continuar mobilizando certos atores sociais para influenciar membros do Congresso Nacional a aprovarem uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional) dando nova redação ao artigo 225 da Constituição Federal, tornando absolutamente secundário o papel do Estado no processo de concessão de emissoras de rádio e de televisão;9.
A imprensa deveria transformar o Instituto Millenium em Universidade Nacional do Brasil com o objetivo de reformular inteiramente o conteúdo dos cursos de Comunicação Social ora existentes no país, fornecendo-lhes uma nova visão do fazer jornalístico e elencando novas fronteiras do conhecimento neoliberal;10.
A imprensa deveria encampar de forma aberta e inequívoca a defesa intransigente de causa popular que seja conducente à supressão da política de cotas raciais para acesso nas universidades públicas;11.
A imprensa deveria possuir a sua própria Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vasculhando, sempre que for o caso, biografias de esquerdistas notórios do Brasil dos anos 1960-1970 para subsidiar alentadas reportagens sobre aqueles que hoje posam de democratas e que em passado recente não passavam de perigosos terroristas;12.
A imprensa deveria continuar orquestrando ações midiáticas de desmerecimento de políticas públicas nos doze meses anteriores aos pleitos presidenciais, começando sempre com a mobilização de ‘formadores de opinião’ com espaço cativo em rádios de amplitude nacional, passando para aqueles que detêm espaço diário na imprensa escrita e desaguando no espaço editorial do principal telejornal do país.Infelizmente boa parte destes itens são levados à ação mesmo sem que sejam precedidos por qualquer forma de declaração ou anúncio. E é tarefa para muitas mentes, das tão-somente medianas àquelas mais brilhantes, correlacionar cada um desses enunciados com a ilustração do fato do dia, do mês, do ano, conforme a prática de nossa imprensa.
Garanto, leitores, que estou lhes sugerindo um interessante exercício mental. Ao menos para aqueles que consideram suas mentes minimamente… arejadas.
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Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter