Momentos após a explosão de uma bomba dentro de seu carro, a jornalista May Chidiac viu-se jogada no banco traseiro em meio à fumaça e aos destroços. Ela não sentia a perna, e conseguiu olhar para sua mão praticamente solta do braço. ‘Eu não sabia que estava tão machucada e apontava para minha mão esperando que [os paramédicos] me ajudassem a mantê-la’, relembra ela em entrevista a Craig Smith [The New York Times, 16/4/06].
May, que apresentava um programa televisivo no Líbano e nunca escondeu sua posição anti-Síria, recupera-se do atentado que quase lhe tirou a vida em setembro de 2005. Acredita-se que agentes sírios estejam por trás da tentativa frustrada de assassinato. ‘Eu vinha atacando a política síria no Líbano há muito tempo’, conta ela. ‘Quero que meu país fique livre de toda a ocupação e recupere de vez sua soberania’.
No dia do atentado, o convidado de May em seu talk show foi Sarkis Naoum, outro jornalista anti-Síria. Após o programa, ela dirigiu até a casa de uma amiga, deixou o carro estacionado na rua e seguiu no carro da amiga para uma visita ao monastério onde viveu e morreu o Maronita São Charbel. May comprou garrafas de água sagrada, velas e imagens do santo. Ao voltar, despediu-se da amiga e seguiu para seu carro.
Quando a bomba explodiu, ela estava inclinada entre os dois bancos dianteiros colocando a sacola com suas compras religiosas na parte traseira do carro. O banco do passageiro funcionou como um verdadeiro escudo para seu rosto e mão direita. A mão esquerda, que segurava o volante, e o pé direito foram destruídos. ‘São Charbel me salvou’, ela diz, calmamente. ‘Se eu não tivesse os objetos religiosos para colocar no banco traseiro, eu estaria morta’.
Os detalhes do atentado foram reconstruídos pela polícia. Os criminosos seguiram May até a casa de sua amiga e colocaram a bomba embaixo do banco do passageiro. Eles esperaram por horas até que a apresentadora retornasse ao carro e detonaram o explosivo assim que ela entrou no veículo.
Intimidação
May foi a terceira jornalista atacada em circunstâncias semelhantes. Os outros dois, Samir Kassir, colunista do An Nahar, e Gebran Tueni, publisher do jornal, foram mortos nos atentados. A tentativa de assassinato de May causou choque à população libanesa e ao mundo Árabe porque este tipo de crime é normalmente reservado a homens. ‘Era por isso que eu não tomava medidas para me proteger’, explica.
May sabia que tinha inimigos entre as autoridades sírias. Poucos meses antes da retirada das tropas, conta ela, ‘o principal homem sírio no Líbano mandou meu chefe me dizer que ia beber o meu sangue’. Oficiais do Departamento de Segurança libanês também mandaram mensagens para a jornalista, através de seus amigos, avisando-a para ficar calada. ‘Eu não sei como eu não tinha medo’, reflete.
De matemática a ativista
Ela estudava matemática em Beirute quando a guerra civil estourou; foi quando mudou a carreira para jornalismo e tornou-se uma das comentaristas cristãs de maior destaque no país. May já era uma das maiores críticas da política síria no Líbano antes do levante popular que fez com que a Síria retirasse suas tropas do território libanês no ano passado. Ela tornou-se um importante membro do 14 de Março, grupo formado por ativistas e intelectuais anti-Síria que surgiu das manifestações que tomaram conta do país um mês após o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri.
Um dos acionistas da emissora Lebanese Broadcasting Corporation, onde a jornalista trabalha, providenciou um avião particular para que ela fosse levada para a França e cobre os custos de seu tratamento.
Preço a pagar
Em janeiro, May anunciou sua intenção de concorrer a uma vaga no Parlamento. ‘Como eles decidiram me atacar, eu decidi fazer o mesmo de outra maneira. No futuro, serei uma política’, afirmou na ocasião. Ela acabou não entrando na eleição para continuar com sua reabilitação, mas diz que pode vir a se candidatar novamente daqui a alguns anos. Por enquanto, a jornalista planeja voltar à carreira televisiva no Líbano – assim que conseguir se adaptar às próteses na perna e na mão.
May opina que ainda levará tempo para apagar a influência síria no Líbano. ‘Eles ainda têm seus homens no país trabalhando para eles. É por isso que a situação continua perigosa no país’. Ela ressalta sua preocupação com a possível impunidade da Síria nos recentes atentados em território libanês e com o fato de que os EUA e a Europa possam aliviar as pressões sobre o país se ele aumentar seus esforços para policiar sua fronteira com o Iraque. ‘Nos temos medo de que, se [a Síria] der algo pelo Iraque, será recompensada recebendo algo no Líbano’, diz May. ‘Sempre que há acordos internacionais com a Síria, o Líbano paga um preço’.