O papel dos entrevistadores na televisão brasileira foi o foco do Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (17/3) pela TV Brasil. A partir do filme Frost/Nixon, do diretor Ron Howard, o programa discutiu como uma entrevista bem conduzida pode não só entreter o leitor e telespectador, como também alterar o panorama político de um país. O longa-metragem dramatiza a série de entrevistas que o ex-presidente americano Richard Nixon concedeu ao apresentador britânico David Frost, em 1977, três anos após o político republicano deixar a presidência por envolvimento no escândalo Watergate. Nixon renunciou ao mandato para fugir de um possível impeachment, mas não explicou sua participação na espionagem da sede do Partido Democrata.
Após um período de silêncio e recolhimento, Nixon começou a articular sua volta à cena política e aceitou conceder a entrevista proposta pelo jornalista. Frost pagou a Nixon 600 mil dólares e mais 20% dos lucros com a venda do material. O jornalista era conhecido do público como apresentador de programas leves – uma vantagem para o experiente político republicano – e encarava a série de entrevistas como uma chance para firmar-se como um profissional de prestígio. Ao longo das 29 horas de gravação, Nixon acabou admitindo que sua conduta no episódio fora ilegal e desculpou-se com o povo americano. Estava definitivamente encerrada sua carreira política.
O jornalista Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro três reconhecidos entrevistadores: Roberto D´Avila, Leda Nagle e Edney Silvestre. D´Avila é formado em História e Jornalismo pela Universidade de Paris. Dirigiu e apresentou alguns dos principais programas da TV brasileira e atualmente apresenta o Conexão Roberto D´Avila, na TV Brasil. Jornalista há mais de 35 anos, Leda Nagle é editora e apresentadora do programa Sem Censura, também da TV Brasil. Trabalhou em diversos jornais, revistas. Na Rede Globo, apresentou o Jornal Hoje, o Jornal da Globo e o Bom Dia Rio. O jornalista e escritor Edney Silvestre é um dos criadores do programa Milênio, da GloboNews, para o qual entrevistou diversas personalidades internacionais. Há sete anos apresenta o programa Espaço Aberto Literatura, na mesma emissora, e há seis o quadro ‘Bate-papo’ no telejornal RJ TV Primeira Edição, na Rede Globo.
Antes do debate ao vivo, Dines comentou as notícias que ganharam destaque nos últimos dias. O primeiro assunto da seção ‘A mídia na semana’ foi a cobertura dos meios de comunicação sobre o retorno do jogador Ronaldo aos campos. ‘O Ronaldo corintiano é uma invenção para retirar do ostracismo um atleta que não soube comportar-se como atleta. É um artifício comercial para animar uma estrutura onde os bons são exportados e os jovens talentos só pensam em jogar no exterior’, disse.
Em seguida, Dines comentou o relatório divulgado na segunda-feira (16/3) pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), no Paraguai, que condena as frequentes críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa. O último assunto da coluna foi o anúncio da primeira Conferência Nacional de Comunicação: ‘Com o esvaziamento do Conselho de Comunicação Social orquestrado pelo senador José Sarney, esta conferência pode representar o início de uma reestruturação para acabar com as mazelas que tanto prejudicam a mídia brasileira’.
O jornalista que fez o dever de casa
No editorial sobre o tema principal da semana, ao comentar o filme Frost/Nixon Dines afirmou que ninguém acreditava que ‘aquele entrevistador bonitinho e inexperiente em matéria política seria capaz de vencer um político manhoso, advogado de formação’; ressaltou que David Frost estudou o assunto e ‘na última entrevista conseguiu abalar a arrogância do ex-presidente. Num lapso de segundos, em close, o povo americano viu Nixon vacilar e reconhecer que errou. Estava derrubado para sempre’.
De Londres, o correspondente Sílio Boccanera avaliou que a grande contribuição da entrevista em televisão para o jornalismo é a informação fornecida pela imagem. ‘Dá para ver quando o entrevistado gagueja e hesita em esclarecer o que quer dizer. E também os trejeitos, a maneira de ser, as reações, os movimentos do corpo. Não só do entrevistado, como do entrevistador também. Todos esses detalhes acrescentam alguma informação à entrevista’, disse. Boccanera destacou um momento da entrevista no qual Nixon afirma que ‘quando o presidente faz alguma coisa, significa que não é ilegal’. Ao ouvir a resposta, Frost apenas perguntou ‘Como assim?’, e o político percebeu que sua carreira estava terminada. ‘Estava patente que ele havia falado uma besteira e a expressão no rosto dele deixava isso claro’, avaliou o correspondente.
Ainda antes do debate no estúdio, foi exibida uma entrevista com o jornalista Fábio Altman, autor do livro A Arte da Entrevista. Altman acredita que o fato de Frost não ser um jornalista da área de política contribuiu para o sucesso da série de entrevistas. Frost não tinha os vícios do jornalismo político, não era íntimo de Nixon e, por isso, conseguiu transformar a ‘informação política’ em um show. ‘A entrevista de televisão é um espetáculo’, avaliou o jornalista.
Entrevista: um jogo e um show
No debate ao vivo, Dines perguntou a Roberto D´Avila se seria possível a realização de uma entrevista com o ex-presidente Fernando Collor logo após o político ter deixado o poder, como Frost fez com Nixon. D´Avila relembrou que foi a Miami após o impeachment para convidar o ex-presidente para uma entrevista, mas Collor ‘não se animou’ com a proposta. Avaliou que a audiência seria baixa e não compensaria a exposição. D´Avila acredita que o ex-presidente perdeu uma oportunidade, já que o programa alcançava uma média de seis pontos de audiência e haveria grande repercussão na imprensa. D´Avila pretendia explorar o lado humano de Collor e disse que hoje, com a volta de Collor à política, a entrevista não teria a mesma força do que se fosse gravada logo após o impeachment.
Para Leda Nagle, toda entrevista – tanto para jornal impresso como para TV – é um jogo. ‘Eu gosto mais de televisão por causa disso. É a expressão, o olhar, o jeito da pessoa se mexer, a forma como ela fica impactada com a pergunta’ o que cativa o telespectador. Leda conduz as entrevistas ‘de mansinho’, mas sempre faz os questionamentos necessários porque ‘a pergunta grita, ela é mais forte do que você’. A jornalista avalia que um entrevistador não precisa ser agressivo. No filme, Nixon intimidou Frost durante toda gravação. Era arrogante e ‘pegou pesado’ com o jornalista. Para Leda, uma entrevista não é necessariamente um embate, mas quando o confronto ocorre ‘é muito bom’.
Dines perguntou a Edney Silvestre se David Frost era só um apresentador de variedades ou um jornalista de televisão. Para Silvestre, o filme, equivocadamente, leva o espectador a ver Frost como um profissional ligado apenas ao entretenimento. Frost era ‘muito esperto’ e já conhecia Nixon desde o final dos anos 1960, quando o entrevistou pela primeira vez. O jornalista britânico visitou a Casa Branca diversas vezes, uma delas acompanhado de sua mãe. Silvestre ressaltou um importante trecho da entrevista que foi cortado. Depois de ‘aparentar admitir a culpa’ e dizer que decepcionou o povo americano, Nixon ‘joga a culpa’ em seus assessores.
Câmeras que constroem e desconstroem políticos
O programa relembrou um episódio constrangedor vivido por Nixon diante das câmeras de TV. O jornalista Hélio Costa, hoje ministro das Comunicações, comentou o fato em uma entrevista para a TV Globo, onde trabalhava na época: ‘Nós estávamos preparados para fazer a tradução simultânea do discurso de renúncia do presidente Nixon e parece que abriram o canal de vídeo para o Rio de Janeiro antes de começar, evidentemente, o discurso do presidente. E as cenas que eram mostradas eram as cenas do presidente se maquiando, às gargalhadas. A câmera fecha e, segundos depois, volta a mostrar o presidente em seu discurso, já sério, compenetrado, quase chorando’. As imagens foram vistas somente no Brasil.
Roberto D´Avila ressaltou que a televisão tem uma linguagem própria, diferente dos outros veículos de comunicação. ‘O close entra na pessoa’, disse. Na televisão, às vezes, é mais importante ‘como se diz do que o que se diz’. Os participantes do debate comentaram o eloquente final do filme. Após Nixon admitir os erros cometidos, pedir desculpas ao povo e afirmar que a carreira política estava acabada, entrevistador e entrevistado permanecem em silêncio.
‘Aquele final é um soco no estômago. Nixon não foi derrotado, foi destruído. Aquele olhar vago e distante é de uma linguagem muito forte. Aí eu acho que a televisão é show, é teatro, é espetáculo’ disse D´Avila. Para Leda Nagle, o silêncio de Frost e o close em Nixon foram decisivos. ‘Em televisão, é preciso saber ouvir’, comentou. Edney Silvestre relembrou uma situação semelhante pela qual passou quando entrevistou a atriz norueguesa Liv Ullmann. Em determinado momento, ao comentar sobre problemas em sua vida pessoal, a atriz não conseguiu mais falar e ficou em silêncio por cerca de 40 segundos.
Vale tudo em uma entrevista?
Um telespectador perguntou se existe algum pudor na hora de ‘alfinetar’ o entrevistado. ‘Sou muito tímido. Às vezes tenho o receio de constranger o entrevistado’, admitiu Edney Silvestre. ‘Não sou um entrevistador agressivo, que acusa o entrevistado, do tipo que diz `você é um escroque´.’ D´Avila confessou ter se arrependido quando perguntou a Danielle Mitterrand, viúva do ex-presidente francês François Mitterrand, sobre a outra mulher do político. ‘Ela me respondeu com tanta dignidade que eu morri de vergonha’, contou. ‘Foi uma pergunta indiscreta. Certas coisas da vida pessoal devem ser respeitadas.’ Leda Nagle considera que quando o entrevistador convida uma pessoa para o estúdio, não tem o direito de agredi-lo. ‘Vale tudo até a página dois. Você pode ir com delicadeza’, disse.
Para Roberto D´Avila, o público se interessa mais por entrevistas com personalidades carismáticas. ‘Se você colocar pessoas interessantes, com um certo charme, grandes artistas, o público gosta mais’, disse. Leda Nagle acredita que se a entrevista é boa, não é preciso ‘soltar fogos de artifício’ para prender o telespectador. A jornalista lembrou que quando começou em televisão foi advertida de que as entrevistas não deveriam durar mais do que três minutos. ‘Veja como as coisas mudaram’, comentou.
O público gosta de histórias atraentes, na avaliação de Roberto D´Avila. A entrevista é um gênero interessante, na televisão ou na mídia impressa, porque conta a história de uma pessoa. Uma entrevista deve ter profundidade. ‘Acho muito importante o lado humano. Todo mundo quer saber a história de alguém que conseguiu ser alguma coisa na vida’, disse. Para Leda Nagle, o ‘barato da entrevista’ é o entrevistador ‘se deixar levar como público, se interessar pela pessoa que está entrevistando’.
Os participantes do programa comentaram dois tipos clássicos de entrevistados: os que falam sem parar e os monossilábicos. Na primeira categoria reinam figuras como o líder cubano Fidel Castro e o político brasileiro Leonel Brizola. ‘Você liga na tomada e eles não param nunca mais. Nove horas depois, você ainda está na entrevista’, disse Edney Silvestre. Leda Nagle relembrou como finalizou uma entrevista com o poeta Waly Salomão, que falara durante 40 minutos e esgotara o tempo previsto para o programa: ‘Esse foi o Waly Salomão, entrevistado por ele mesmo’.
Por outro lado, para Roberto D´Avila, é desesperador quando o entrevistado não fala conforme o esperado. O jornalista relembrou uma entrevista que fez com Raúl Alfonsín seis meses antes de o político deixar a presidência da Argentina, sem concluir o mandato, em meio a uma forte crise. ‘Ele estava tão nervoso que eu fazia uma pergunta e ele respondia `sim´, `não´.’ Depois de quinze minutos, D´Avila interrompeu a entrevista e o material não foi exibido.
Outro tipo de entrevistado indesejado é aquele que não domina o assunto abordado. ‘Tem gente que é o sonho de consumo do entrevistador. É aquele que você fala `bom dia´ e ele vai falando. E tem aquele que você pergunta tudo e a pessoa não responde nada’, disse Leda Nagle. Edney Silvestre comentou outro problema: ‘Quando o entrevistado é muito interessante, eu não quero falar, só quero ouvir’.
***
Nixon contra a parede
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 494, exibido em 17/3/2009
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A renúncia do presidente Richard Nixon resultou da investigação de dois repórteres de jornal, Bob Woodward e Carl Berenstein. Mas quem sepultou os sonhos de um eventual retorno de Nixon à cena política americana foi um entrevistador de TV, David Frost.
O eletrizante confronto entre o ex-presidente Nixon e David Frost, que até então era apenas um entrevistador do gênero de variedades, é tema de um dos melhores filmes da atual temporada. Frost / Nixon é a reconstituição minuciosa das entrevistas que Frost fez com Nixon, três anos depois de sua renúncia. Ninguém acreditava que aquele entrevistador bonitinho e inexperiente em matéria política seria capaz de vencer um político manhoso, advogado de formação, como Richard Nixon.
Frost cercou-se de bons jornalistas, fez o dever de casa, estudou a documentação e na última entrevista conseguiu abalar a arrogância do ex-presidente. Num lapso de segundos, em close, o povo americano viu Nixon vacilar e reconhecer que errou. Estava derrubado para sempre.
Frost / Nixon passa-se nos Estados Unidos, mas vale para o Brasil. Jornalismo impresso ou televisivo é coisa séria. Jornalistas e empresários de jornalismo não podem esquecer disso. Nem os políticos.
***
A mídia na semana
** Ele era um fenômeno futebolístico, agora é apenas um fenômeno de marketing que a mídia está ajudando a criar em seu próprio benefício. O Ronaldo corintiano é uma invenção para retirar do ostracismo um atleta que não soube comportar-se como atleta. É um artifício comercial para animar uma estrutura onde os bons são exportados e os jovens talentos só pensam em jogar no exterior. A sede por bom futebol é tamanha que os cartolas estão querendo cobrar do torcedor uma taxa extra nos jogos em que Ronaldo participar.
** Recebido pelo presidente Barack Obama na Casa Branca, o presidente Lula não teve tempo para comemorar o seu desempenho. Ontem , a SIP – Sociedade Interamericana de Imprensa, reclamou contra o excesso de críticas do presidente à imprensa. Todos nós temos muitas razões para criticar e condenar a imprensa, mas o chefe de um poder, sobretudo do Poder Executivo, deveria ser mais contido neste aspecto. Caso contrário pode parecer ameaça.
** Coincidência ou não, o governo está anunciando para o fim do ano a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação. Com o esvaziamento do Conselho de Comunicação Social orquestrado pelo senador José Sarney, esta conferência pode representar o início de uma reestruturação para acabar com as mazelas que tanto prejudicam a mídia brasileira. Isso é legítimo e a SIP não pode reclamar.
******
Jornalista