Renilda Santiago, mulher do publicitário-lobista Marcos Valério, fez da CPMI dos Correios um palco onde, como grande atriz, manobrou as emoções da platéia. O ensaio, diga-se, foi em si mesmo um espetáculo. Durante toda a semana que antecedeu a estréia, a assessoria de imprensa (o advogado e os amigos mais chegados) alimentou a mídia com discretas notícias mostrando o quanto ela estava abalada e deprimida.
Na manhã do depoimento (terça, 26/7), em matéria da sucursal de Belo Horizonte, O Estado de S.Paulo dizia:
‘Desde quando o marido foi acusado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) de ser o operador do mensalão, há pouco mais de 40 dias, Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza foi obrigada a alterar profundamente a sua rotina. Reclusa, a mulher do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza não consegue disfarçar o abatimento. Recentemente, desabafou com uma pessoa próxima e disse que sua família está sendo destruída pelas constantes denúncias envolvendo o marido e suas empresas. Boa parte do tempo, Renilda passa na casa localizada no luxuoso condomínio Retiro do Chalé. ‘Ela está profundamente abalada com tudo isso’, afirma Marcelo Leonardo, advogado do casal. Segundo ele, Renilda não tem condições psicólogicas de depor na comissão, da forma como as sessões estão sendo conduzidas’ (grifo meu).
Foi nesse mesmo dia que, ao dar seu depoimento, Renilda mostrou o quanto a imprensa foi manipulada no noticiário anterior. Discreta, maquilagem quase inexistente, cabelos soltos e roupa branca, se apresentou à CPMI como uma mulher simples, dona-de-casa extremada, que tem, por rendimento, 3.500 reais mensais que recebe como pro-labore. Fora os 120 mil reais/mês do salário do marido, e que são usados para complementar as despesas da casa.
E os pobres integrantes da CPMI caíram no conto da mulher estressada, cheios de mesuras e atendendo aos pedidos de civilidade feitos pelo condutor da sessão.
Nem uma linha
Comovido e envergonhado, várias vezes o senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPIM, tocou o braço de Renilda, pedindo calma e ela, que, firme até demais para quem passou a semana em depressão profunda, repetiu o texto decorado para o espetáculo. Quando um dos deputados, irritado com a falsidade, agiu como o mais vulgar dos interrogadores policiais, foi repreendido pelo presidente da mesa que, na segunda crise de choro da prima-dona, deu o espetáculo por encerrado alegando que já era tarde e que Renilda estava muito cansada.
Encerrado o espetáculo, a mídia fez sua parte, agindo com inesperada sobriedade ao noticiar o depoimento, ressaltando apenas que a senhora do lar acabou entregando o ex-ministro José Dirceu.
Nem a controlada ira da senadora Heloisa Helena, ao dizer para Renilda que ela não pode se comparar aos milhares de donas-de-casa que não têm dinheiro nem para pagar o remédio dos filhos, mereceu uma linha da imprensa.
Mulheres indignadas
Ainda bem que as mulheres foram as primeiras a denunciar o comportamento de Renilda, deixando bem claro os recursos que ela usou para manipular os integrantes da CPMI.
A cientista política Lúcia Hipólito (Estado de S.Paulo, 27/7) escreveu:
‘O modelo fada do lar, representado pela depoente, não combina com a pedagoga diplomada, que trabalhou em treinamento de pessoal no Banco do Estado de Minas Gerais, onde ela declara que trabalhou antes de se decidir pela dedicação exclusiva ao lar. O modelo fada do lar não combina com contas bancárias que movimentam mais de 4 milhões de reais por ano. Não combina com o conhecimento de detalhes do funcionamento das empresas das quais ela é sócia’.
A colunista Dora Kramer foi mais contundente, em sua coluna no mesmo Estado (28/7):
‘Renilda Santiago, mulher de Marcos Valério, comoveu meia dúzia de parlamentares com lágrimas (recurso usual na manipulação de sentimentos masculinos), mas não convenceu no papel de rainha do lar alienada, mãe-coragem, mulher boboquíssima reverente ao amo e senhor. Primeiro, porque isso não existe em lugar algum, muito menos entre mulheres da faixa de idade e renda de Renilda, habitante de uma grande cidade, bem informada, falando direito (apesar dos repetidos ‘seje’ e de um inacreditável ‘tivesse trago’, no sentido de trazer) e ascendência sobre o marido suficiente para impedi-lo de desfazer a sociedade comercial com ela, conforme Valério informada à CPI. Segundo, porque Renilda mesmo se desmentiu. Da empresa em que era sócia do marido não conhecia ‘nem a cor do tapete’, mas sabia detalhes da demissão da secretária Fernanda Somaggio – alegadamente por redução de custos-, das licitações perdidas por Valério, dos números das contas bancárias e dos detalhes convenientes ao reforço da sua versão.’
Mas talvez tenha sido Maria Cristina Mendes Caldeira quem melhor falou sobre Renilda, (Estado, 28/7):
‘É muito cômodo você manipular as fragilidades da mulher, apelar para a imagem de mãe, de dona de casa, enquanto detona 4 milhões de reais por ano. A sensação que eu tive é que ela é uma mulher muito mais articulada e maquiavélica do que as pessoas imaginaram. Ela se saiu muito melhor do que Marcos Valério. Acho que ela usou as fragilidades femininas de uma forma indigna. Quando se sentia apertada, era mãe, e não empresária. Ela viveu dezesseis anos com o cara, veio de uma vida humilde, quer dizer, é uma pessoa mais maliciosa, porque não foi protegida como eu fui… Ah, me poupe, né?’
Se a mídia como um todo falhou ao perceber a manobra feita por amigos e assessores para que Renilda chegasse à CPMI como vítima, a ponto de inibir o comportamento de alguns deputados, as mulheres salvaram a pátria. Denunciaram a farsa e mostraram que, além de ofender as donas-de-casa, Renilda Santiago subestimou a mídia ao achar que enganaria a todos com seu ar de mocinha desprotegida – ou, como classificou Sérgio Augusto (Estado, 31/7) de ‘mater dolorosa da CPI’.
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Jornalista