Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As mulheres que a mídia não quer ver

O que seria das CPMI dos Correios sem as mulheres? Mulheres como Fernanda Somaggio, a secretária com sua agenda milagrosa; Denise Frossard, a deputada juíza, com suas atuação elogiada pelos colegas; Heloisa Helena, a senadora que comove com sua estudada indignação; Renilda Santiago, a esposa tão esperada pelos inquiridores; e Simone Vasconcelos, a diretora financeira que, segundo dizem, era bem mais do que isso. Sem elas não haveria CPMI.

Mas, para a imprensa, elas são apenas personagens secundários que, no máximo, servem para ilustrar matérias folclóricas como o lado humano da crise – como o mostrado na edição (nº 1915) da Veja da semana.

Para Veja, a juíza Frossard é destaque porque usa ternos Armani. Heloísa Helena merece algumas linhas por se assumir como cafona e por seu orgulho de ser assunto no Orkut. A senadora Ideli Salvatti porque, além de ter emagrecido e ficado vaidosa, tem uma assessora loira, jovem e que encanta os congressistas. Como se, para a grande mídia, as mulheres só mereçam atenção por seus atributos físicos ou por bobagens que digam em público.

É extremamente preconceituoso, da parte da Veja, acusar Maria Christina Mendes Caldeira de ter cometido ‘algumas das frases mais hilárias da crise’. Entre as frases citadas estão ‘recebia, sim, deputado, todo mundo recebia’, ou ‘eu não sabia que era proibido comprar partido’. Faltou Veja dizer que a senhora Mendes Caldeira foi uma das únicas que, com essas frases, fez denúncias diretas.

Muito mais hilárias foram as respostas de Delúbio Soares e Silvio Pereira na CPMI, ou a frase do presidente Lula em que garante que não há, neste país, mulher ou homem que possa discutir ética com ele. Ou mesmo o enunciado de Silvio Pereira atribuindo a crise às elites do país. O humor é relativo.

A mãe-vítima

Se a imprensa prestasse um pouquinho mais de atenção às mulheres, teria ao menos registrado a impressionante perfomance da senadora Heloisa Helena ao interrogar seu ex-companheiro Delúbio Soares. Usando ao máximo sua condição de mãe e mulher, tentou sensibilizar o ex-tesoureiro do PT apelando para seus sentimentos familiares, para a amizade que tiveram, para o tratamento informal.

Se a imprensa tentasse mostrar verdadeiramente o lado humano da crise, procuraria descobrir porque Renilda Santiago, que apareceu na mídia apenas porque tentou tirar alguns milhões de sua conta bancária, já pediu um habeas-corpus preventivo. E iria além das pequenas notinhas em que ela é mencionada.

No Jornal da Tarde (23/7), Renilda ganhou nove linhas de coluna – e isso porque o entrevistado era o deputado ACM Neto:

‘Foi por isso que ACM Neto insistiu na convocação de Renilda na terça-feira. Ela tem insistido em falar a verdade para ter de volta a paz e sua família. ‘A gente era pobre e eu nunca quis tanto dinheiro. Quero a minha família de volta’, teria dito Renilda, segundo relato de pessoas próximas ao casal’.

Na Veja, a notícia, embora mais contundente, é ainda menor:

‘Sua mulher, Renilda, fora duplamente surpreendida – com a profundidade da corrupção e as insinuações de um romance dele com uma ex-secretária. Sua filha adolescente se recusava a vê-lo’.

O maior destaque entre as edições de sábado (23/7) ficou para o jornal Agora, de São Paulo:

‘Convocada pela CPMI dos Correios para depor na próxima terça-feira, a mulher do publicitário Marcos Valério Fernandes, Renilda Maria Santiago Fernandes, entrou ontem com habeas-corpus no STF pedindo liminar que a desobrigue de responder a perguntas cujas respostas possam supostamente incriminá-la. Ela fez o mesmo que o marido, o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares e o ex-secretário geral do partido, Silvio Pereira. Todos eles depuseram sob a proteção de liminar do STF contra o risco de a CPMI decretar a prisão deles por omissão de informações. Renilda Santiago fez três pedidos: que seja ouvida como investigada, não como testemunha (que se compromete a falar a verdade), que não seja obrigada a assinar o termo de compromisso firmado por testemunhas e que não tenha de responder a perguntas que impliquem a sua auto-incriminação’.

O que a mídia esqueceu, é que Renilda não é apenas a mulher, casada pelo regime de comunhão de bens, de Marcos Valério. Ela é também sócia nas empresas e, ao menos em teoria, tão beneficiada – ou prejudicada – pelos atos do empresário como os outros sócios.

Mostrar Renilda como a mãe-vítima, querendo sua família de volta, é desconhecer que os tempos mudaram e que as esposas deixaram, até diante do Código Civil, de ser vistas como meros apêndices de seus maridos.

Segunda categoria

A mídia nem levou em conta que a deputada Denise Frossard, com seus terninhos Armani, teve, antes de ir para o Congresso, uma impressionante carreira como juíza de direito. E, no Congresso, tem uma atuação melhor que a maioria dos homens.

Esqueceu também que, mais importante do que os quilos perdidos, é o papel da senadora Ideli Salvatti na CPMI ser uma das pontas-de-lança do PT na defesa do presidente Lula. Isso para não falar da senadora Heloisa Helena, cujo desempenho político todos conhecem e que agradeceu a Deus por ter sido expulsa do PT.

A imprensa esquece de dizer que conta com a franqueza, ou fraqueza, das mulheres para falar a verdade. Esqueceu de dizer que, nesse processo todo, as mulheres já não choram – recurso cada vez mais usado pelos senhores do PT – e esqueceu, principalmente, que, não fosse a agenda de uma organizada secretária, estaríamos ainda mais longe da verdade.

Enquanto a imprensa continuar encarando as mulheres como seres de segunda categoria, mesmo quando elas estão no centro das crises, vamos continuar perdendo a chance de fazer boas matérias.

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Jornalista