Quando a imprensa é notícia, um dos dois está doente – a imprensa ou a notícia. No momento, quem está gravemente enferma é a imprensa mundial e não apenas o tablóide inglês News of the World que deixará de circular neste domingo (10/7) depois de 168 anos de vida.
O vilão nesta história não é o jornalismo sensacionalista (a “imprensa amarela”, como é chamada em toda parte, exceto no Brasil; marrom, por óbvias razões). Irresponsável não foi o ex-diretor do semanário Andy Coulson ou seu repórter preferido, Clive Goodman, detidos na sexta-feira (8/7) pela Scotland Yard sob aplausos gerais.
O bandido inconfundível é o magnata nascido australiano Rupert Murdoch, o 13º homem mais poderoso e 117º mais rico do mundo, dono do jornal liquidado e uma das figuras mais nefastas da galeria contemporânea, patrão e patrono da extrema-direita americana e das afiliadas em todos os continentes. A Fox News de sua propriedade é um alto-falante com 85 milhões de assinantes cativos dispostos a acreditar em qualquer uma de suas mentiras e delirantes cruzadas.
Regulação efetiva
Murdoch precisa de um novo Orson Welles para ser retratado cabalmente. É fascinado com a imprensa, compra veículos para degradá-los, sobretudo quando se trata de jornalões tradicionais. Assim fez com o Times de Londres, depois comprou o prestigioso Wall Street Journal para lustrar o seu currículo e portfólio, não para usá-lo como paradigma. Na mesma Nova York é dono do ferocíssimo New York Post – um dos dois tablóides da cidade – que adorou mostrar o socialista Dominique Strauss-Kahn algemado. Quando Murdoch esbarra num adversário inalcançável, procura destruí-lo, caso da modelar BBC, patrimônio do povo inglês, que tenta sitiar através da BSkyB.
O dominical News of the World está envolvido há quase uma década com um jornalismo de sarjeta. Sua liquidação é falaciosa, vai resumir-se à desativação do título, substituído pelo tablóide co-irmão, The Sun, que passará a circular também aos domingos. E ficará muito mais lucrativo porque a News Corporation é a maior especialista mundial em esvaziar as redações de jornalistas.
Murdoch foi um dos primeiros barões da mídia a regozijar-se com o fim dos jornais impressos. Antes mesmo do adversário The Economist, que em 2006 publicou a temerária capa garantindo o fim do jornal impresso – e da qual agora solenemente se arrepende (ver, neste Observatório, “Quem matou o jornal?”)–, Murdoch já enxergava na digitalização da imprensa uma forma de solapar a multissecular instituição jornalística comprometida com a preservação do interesse público.
O fim do seu jornal é um episódio vergonhoso numa sociedade como a inglesa, matriz da cruzada universal pela liberdade de impressão. John Milton, autor da Areopagítica (1644), morreria mais uma vez ao tomar conhecimento das barbaridades e vilanias que se cometeram em nome do sagrado direito de expressar-se sem controles ou licenças. Ressuscitado, o poeta organizaria passeatas pelas ruas inglesas em favor de uma autorregulação eficaz e efetiva, socialmente responsável.
Preço alto
O episódio seria classificado como irrelevante, localizado, se a conjuntura fosse outra. A grave crise econômica americana é filha da delirante direita que jogou o país em duas aventuras guerreiras praticamente simultâneas, caríssimas e, inevitavelmente, perdidas.
O desastre financeiro de 2008 resultou do culto desmedido ao deus Mercado que nenhuma figura decente e lúcida ousaria enfrentar com receio de ser fichada como comunista pela mídia de Murdoch e seus cães de guarda.
O News of the World não deixará saudades. É o preço que as sociedades pagam para ter notícias de um mundo menos sórdido.
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