Uma pequena nota na seção internacional da edição de quarta-feira (12/10) da Folha de S.Paulo faz mais pela análise da imprensa do que muitos ensaios alentados. E toca naquilo que parece ser um dos maiores pecados da mídia em todo o mundo: manipulação e direcionamento na escolha das fontes de informações e opiniões.
Trata-se da notícia segundo a qual um grupo de 50 jornalistas e professores escreveu à direção do New York Times pedindo mais transparência em relação a conflitos de interesse envolvendo articulistas e colaboradores do jornal. A informação sobre essa queixa foi publicada originalmente na Columbia Journalism Review, publicação bimestral da faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia, em Nova York.
O protesto foi provocado pela publicação, em 7 de junho passado, de um artigo de Robert Bryce, pesquisador do Manhattan Institute e autor do livro intitulado Fome de energia: os mitos da energia verde e os verdadeiros combustíveis do futuro (ver aqui o texto em inglês).
Rol de atividades
O texto, fartamente distribuido pelo renomado jornal novaiorquino, circulou entre jornalistas especializados em sustentabilidade e economia, inclusive no Brasil, nas semanas seguintes.
Abordando desafios bastante conhecido dos especialistas no processo de substituição das fontes de energia em busca da redução das emissões de gases do efeito estufa, o autor basicamente explora algumas contradições, como a necessidade de grandes áreas para a instalação de equipamentos de energia eólica e energia solar.
Essas aparentes contradições são de amplo conhecimento entre pesquisadores e jornalistas que acompanham o tema. Entre elas pode-se alinhar, por exemplo, a necessidade de processos limpos na produção das partes de turbinas movidas a vento ou a demanda por grandes quantidades de aço para as hélices e torres, além do potencial problema representado pelas longas linhas de transmissão que rasgam terras agriculturáveis, reservas ambientais e zonas urbanas.
Nada do que Bryce alinhou em seu artigo é novidade ou questão omitida nos debates sobre energia limpa. O que se omitiu na publicação do artigo é que o Manhattan Institute, do qual o autor é destacado representante, é uma entidade conservadora financiada por empresas de petróleo como a ExxonMobil, pela indústria de tabaco e empresas do setor financeiro.
Em sua lista de atividades pode-se identificar campanhas pela privatização dos serviços de saúde, cortes no orçamento público para programas de bem-estar social e desregulamentação dos setores de proteção ambiental e proteção do consumidor.
Escondendo o currículo
Robert Bryce não é, portanto, um cientista independente ou uma fonte confiável: ele é um pesquisador financiado por grupos de interesse que se opõem a políticas sociais abrangentes e ao movimento que exige mudanças no sistema econômico em função das urgências ambientais. Ele representa uma das forças que legitimamente defendem suas posições através da mídia. Mas, como parte de sua estratégia e para aumentar sua influência, entidades como o Manhattan Institute costumam dissimular suas origens e vinculações.
Como alertam os leitores que se queixaram à direção do New York Times, cabe à imprensa esclarecer quem é quem, e não permitir que analistas comprometidos com posições específicas se apresentem como fontes independentes.
A curta nota publicada pela Folha de S.Paulo faz muito pelo leitor, em suas 17 linhas, ao promover a desconfiança de que o pecado do New York Times é mais comum do que se imagina. No Brasil, por exemplo, basta acompanhar o noticiário econômico para observar como articulistas comprometidos com grupos de poder são apresentados ao público como analistas isentos.
Nas discussões sobre a política de juros, ou sobre o câmbio, não é incomum encontrar notórios servidores do setor financeiro disfarçados de pesquisadores acadêmicos ou comentaristas que defendem escandalosamente argumentos que suas empresas de consultoria vendem aos clientes.
Admitindo-se que se trate de um descuido, embora recorrente, uma vez que é obrigação da imprensa ser transparente em relação a suas fontes de informação e opinião, ainda assim se trata de uma falha que compromete seriamente a credibilidade do produto jornalístico. Esse desvio de conduta é ainda mais escandaloso no noticiário político.
Era quase anedótico, entre jornalistas de São Paulo, o caso de um conhecido articulista e comentarista da televisão, já falecido, que se apresentava, no rodapé de seus artigos, como “jornalista, advogado, escritor, dramaturgo, produtor cultural, empresário e pintor”. Ele só não declarava que era destacado membro de um partido político, pelo qual já havia disputado uma vaga na Câmara dos Deputados.