Dois dos mais prestigiosos jornais diários do mundo, o americano The New York Times e o britânico The Guardian, fizeram na semana passada um inusitado apelo a seus leitores: que os ajudassem a descobrir fatos capazes de despertar interesse público dentre mais de 24 mil mensagens eletrônicas da ex-governadora do Alasca Sarah Palin, que o estado tornou públicas para responder à demanda de cidadãos que as solicitavam.
A imprensa americana demonstra ter especial fascínio pela figura da ex-governadora, que concorreu na eleição presidencial dos EUA de 2008 como a companheira de chapa do republicano John McCain, e depois se tornou a mais conhecida líder do movimento de extrema direita chamado Tea Party.
Fotogênica, loquaz, polêmica, Palin é de fato um prato cheio no em geral insosso noticiário político. Mas o entusiasmo com que diversos veículos vão atrás de revelações potencialmente nocivas para Palin chama a atenção de críticos e observadores que consideram indispensável no jornalismo manter uma posição de apartidarismo e máxima neutralidade possível diante dos principais líderes políticos nacionais.
Processo de edição
O chamamento aos leitores para achar notícias no mar de e-mails de Palin é uma variável nova do chamado “jornalismo cidadão”, ao qual alguns veículos – especialmente audiovisuais – vêm recorrendo como forma não só de engajar o público, mas também de ampliar o escopo da sua cobertura sem aumento de custos, já que em geral o jornalismo dito cidadão é voluntário.
No caso de Palin, não faltam pessoas dispostas a mergulhar nos documentos tornados públicos em busca de possível ouro informativo. Mesmo veículos que não conclamaram a audiência a participar estão recebendo milhares de sugestões para que explorem determinadas mensagens.
Os documentos todos foram produzidos quando Palin era governadora do Alasca, o que – em princípio – justifica a tese do interesse público. Mas a maioria deles procede de contas particulares de Palin, o que dá argumentos a quem considera toda a operação uma indevida invasão de privacidade.
A vida de Palin já tem sido bastante escancarada desde que ela surgiu como protagonista no drama político nacional americano. Por isso, não há muita expectativa de que alguma novidade sensacional venha a emergir dessas milhares de mensagens, mas é interessante observar o processo e refletir sobre aspectos positivos e negativos da cultura de transparência, que é uma das marcas da sociedade americana com relação a suas figuras públicas, em comparação com o Brasil, onde a ocultação de documentos do Estado ou de governantes costuma ser a norma.
O episódio guarda semelhanças com o da divulgação pelo WikiLeaks de milhares de mensagens do Departamento de Estado em 2010, mas difere dele em algumas características essenciais.
Em primeiro lugar, não há informações classificadas como secretas nos e-mails de Palin. O governo do Alasca as entrega ao público de acordo com o que a lei local determina, por considerar ser um direito do cidadão ter acesso a mensagens transmitidas pelo governador do estado quando no exercício do poder, mesmo que muitas delas não digam respeito a assuntos oficiais.
É claro que tanto Palin quanto o Departamento de Estado podiam tentar manter reservados os documentos que se tornaram públicos. Mas é dever da imprensa revelar à sociedade tudo que possa ser de seu interesse. Por isso, foi legítima do ponto de vista jornalístico tanto a divulgação dos documentos que o WikiLeaks obteve como é agora a dos e-mails de Palin (e como fora, 40 anos atrás, a dos Documentos do Pentágono, que na semana passada vieram à luz afinal, e na íntegra, já que perderam a categoria de segredo de Estado).
Também há similaridades com o caso WikiLeaks nesta situação no que se refere à edição do material que se tornou público. Os veículos jornalísticos não devem abrir mão da sua prerrogativa de escolher entre tudo que está disponível o que eles acham mais relevante e de editar o que preferirem da maneira que acharem mais apropriada de acordo com suas políticas.
Ocorreram confrontos entre o WikiLeaks e alguns jornais por conta do desejo de Julian Assange de interferir no processo de edição desses veículos. Os leitores que aceitam o convite de jornais ou se oferecem a vasculhar os e-mails de Palin também não podem ter a pretensão de ver seus desejos de publicação e/ou enfoque atendidos.
Sem segredos
A situação de Palin também permite algumas considerações sobre o caráter do correio eletrônico e seus sucedâneos. Quase 20 anos depois do início de sua popularização com servidores como Compuserve e AOL, o e-mail já é considerado pelos jovens como uma “coisa de velho”.
É improvável que muitos dos usuários das quase 3 bilhões de contas de correio eletrônico no mundo ainda o considerem minimamente seguro para troca de informações confidenciais.
Pode ser que Sarah Palin tenha cometido alguma imprudência em algumas dessas mensagens enviadas entre 2006 e 2008. Afinal, ela é uma “velha” (47 anos) aos olhos dos que julgam o e-mail um anacronismo. Mas mesmo os jovens e antenados na tecnologia ainda cometem desatinos, como o soldado Bradley Manning (23 anos), que foi preso como suspeito de ter vazado os documentos do Departamento de Estado para o WikiLeaks após ter admitido que fizera isso num ambiente de “chat online” com outros hackers.
No mundo dos negócios e dos governos, aumentam a cada dia os cuidados com o que se escreve ou se diz na rede. Como se dizia antigamente, de modo figurado, mas agora é de fato, as paredes têm ouvidos. Muito pouca coisa é mantida em segredo por muito tempo nesta civilização.
O que pode ser muito bom para o jornalismo e para a sociedade, mas também implica diversos problemas associados.