Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As poderosas pauteiras

O que o cachorro mais velho dos Estados Unidos tem em comum com o homem mais rico do Estado de Dakota do Sul?

Ambos estão tirando o sono do editor chefe do mais novo jornal americano, The Daily, o rebento de Rupert Murdoch produzido especialmente para o iPad e lançado como fanfarra relativamente ofuscada pela crise no Egito.

Do jeito que é impossível manter segredo hoje sobre as comunicações internas, eu me pergunto por que chefes ainda se iludem com a privacidade do memorando digital.

Cansado da atenção dispensada à bolorenta civilização de 5 mil anos, o editor Jesse Angelo bradou: ‘Pessoal, o Egito acabou.’ E convocou suas tropas a pegar em armas para descobrir notícias entre o México e o Canadá. Daí a sugestão sobre o canino idoso ou o possível bilionário do Estado que tem menos de 1 habitante por 3 quilômetros quadrados. As intenções de Angelo, preocupado com a invasão de notícias de democracia longe de casa, não eram más. Ele queria que seus repórteres parassem de confiar na tela como fonte de notícia e fossem gastar a sola dos sapatos.

Puro marketing

A repercussão da venda do Huffington Post para a AOL por US$ 315 milhões continua intensa. Arianna Huffingon foi homenageada com um almoço de mulheres no restaurante Michael’s, o refeitório da mais alta casta da mídia nova-iorquina, na segunda-feira passada. As convidadas eram as suspeitas habituais, como as veteranas Barbara Walters e Christianne Amanpour. Mas não havia nada de especialmente feminino no luxuoso convescote.

A anfitriã de Arianna era Tina Brown e o par hoje exerce enorme poder no conteúdo da mídia jornalística digital. São amazonas de um carnavalesco fim dos tempos, ambas especialistas em cortejar elites – financeira, intelectual, artística. Ambas atraem nomes de prestígio enquanto faturam alto com o sensacional, responsável pela maior parte do tráfego para o Huffington Post e o Daily Beast. E ambas têm enriquecido com a reprodução do conteúdo alheio.

Em novembro passado, eu me vi espremida numa mesa, na noite do National Book Award, o prêmio mais importante da literatura americana. Antes do anúncio dos vencedores em várias categorias, Tina Brown entregou uma medalha pelo conjunto da obra ao romancista Tom Wolfe. Seu discurso articulado e bombástico, enchendo a bola do escritor em declínio, era o sonho de uma campanha de marketing. Arianna Huffington e Tina Brown são craques em nos convencer de que estamos tomando Château Lafite, enquanto uma voz distante sopra: Sangue de Boi.

Animais, culinária e crime

Um respeitado repórter americano, com mais de 30 anos de carreira, me confessou recentemente ter levado um susto quando entregou reportagens para um dos sites exaltados como o futuro do jornalismo. As palavras, escritas a milhares de quilômetros da redação, saltaram do seu arquivo Word para a eternidade cibernética com tamanha rapidez que ele suspeitou se alguma forma de vida havia testemunhado a transformação.

Explico: ele foi acostumado a ter suas matérias copidescadas, editadas, devolvidas e reescritas, como parte do processo que já lhe rendeu prêmios de reportagem. De repente, sentiu-se como uma criança sem supervisão no playground.

Não estou falando de uma notícia urgente sobre um assalto a banco e sim de uma reportagem que ele demora dias para apurar e transformar numa narrativa coerente. ‘Parece que tudo não passa de um hobby’, comentou o repórter, amedrontado com os desdobramentos dessa liberdade súbita.

O mesmo profissional, ao ser apresentado em Nova York ao editor que substituiu seu superior da ‘velha’ mídia, ouviu a seguinte pérola: ‘Não me ofereça cultura, não me interesso por cultura’, alertou, como se tivesse acabado de dizer um palavrão. Tradução: o editor, com vários canudos acadêmicos comprovando a sua, hum, cultura, queria entretenimento e não provocações à reflexão.

Quem celebrou o casamento do Daily Beast com a alquebrada Newsweek, fundada em 1933, deve dar uma olhada nos destaques recentes do site da revista, d’après Tina Brown: animais de estimação, culinária, crime e uma concessão ao Egito com a palavra ‘tragédia’ na manchete.

Depois delas, o dilúvio?

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Jornalista