Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As responsabilidades da imprensa nas mortes de macacos

O mundo vem descobrindo, a duras penas, que as previsões sobre o fim do jornalismo e a total democratização da produção de conteúdo escondiam algumas armadilhas. Não por acaso, a equipe do dicionário Oxford, um dos mais importantes do mundo, escolheu “pós-verdade” como a palavra de 2016. Traduzindo, estamos vivendo em uma era em que os fatos objetivos teriam menos importância que as opiniões e crenças pessoais. Um cenário armado para todo tipo de barbárie, especialmente os crimes de ódio.

Em tempos como este, a figura do jornalista ascende como uma fonte confiável para aqueles que querem entender o mundo a partir de uma visão plural e sem preconceitos. Cada vez mais, precisamos de informação. Mas não qualquer informação. Precisamos que sejam bem apurada, clara, que não esconda as controvérsias e, acima de tudo, seja balizada pela ética. Ok. Mas e os animais? O que os animais, que têm linguagens completamente diferentes das nossas, têm a ver com isso?

Nunca existiu uma sociedade humana que fosse dissociada de outros animais. Desde que estamos no mundo, convivemos com uma miríade de espécies, em relações que vão do afeto à exploração. Por isso mesmo, os bichos são pauta. No entanto, se existe uma reflexão generalizada a respeito do impacto das notícias sobre a vida dos seres humanos, o mesmo parece não acontecer quando se trata de animais. Um exemplo dramático e triste é a questão da febre amarela. Em diversas partes do Brasil, macacos estão sendo mortos devido à desinformação da população. De início, a cobertura midiática não levou em consideração a necessidade de informar com profundidade o verdadeiro papel dos símios no ciclo da doença.

Somente após o surgimento de animais mortos por agressão e da emissão de um alerta por parte do Ministério do Meio Ambiente é que a imprensa passou a esclarecer que estes bichos não transmitem a doença para os humanos. Pelo contrário, além de serem vítimas, como nós, eles são importantes para o controle da epidemia, pois sua contaminação serve como alerta para as áreas nas quais a imunização deve ser intensificada.

Os bichos e a ética

Não se trata de algo excepcional. A toxoplasmose costuma ser tratada sempre como a “doença do gato”, com notícias que deixam um rastro de animais mortos e abandonados por pessoas que não foram informadas devidamente. Enquanto os jornalistas focam nos felinos, outras fontes mais perigosas de contaminação, como alimentos mal lavados e cozidos, ficam em segundo plano. Fica claro que o impacto de uma notícia sobre as condições de vida dos animais raramente é avaliado ou apurado de forma mais aprofundada. No caso dos gatos, por exemplo, há controvérsias entre os próprios veterinários e muitos são taxativos em dizer que para pegar toxoplasmose dessa forma seria necessário literalmente ingerir as fezes do animal.

No curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat, o debate sobre a temática já foi iniciado com a realização de uma oficina de estudos Animais e Mídias, em que as teorias do jornalismo ambiental e científico aparecem como ponto de partida para discutir a como os jornalistas podem contribuir – ou não – para a inserção dos bichos na esfera ética.

A ciência demonstra que os animais têm consciência e subjetividade, de modo que seu interesse e direito à vida não podem mais ser ignorados. Uma informação errada ou uma palavra mal escolhida resultam numa quantidade inimaginável de sofrimento. Se ainda estamos distantes do dia em que todas as criaturas terão seus direitos respeitados, não podemos mais adiar este debate dentro da imprensa, principalmente num momento em que seu papel central na construção de uma sociedade mais justa e igualitária é reafirmado.

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Eveline Teixeira Baptistella é professora de jornalismo