O Brasil poderá bater um novo recorde na safra 2005-2006, com uma produção entre 121,5 milhões e 124,8 milhões de toneladas de grãos e oleaginosas. Outro recorde, este já computado, foi o superávit primário do setor público entre janeiro e setembro deste ano – 86,5 bilhões de reais, ou 6,1% do Produto Interno Bruto. A meta fixada para 2005 – 82,75 bilhões de reais – foi superada em nove meses.
As duas notícias, positivas à primeira vista, contam só um pedaço da história. Os demais detalhes são igualmente importantes, tornam o quadro menos luminoso e o desafio para o redator, nesse caso, é apresentar a notícia do modo mais completo desde a abertura – ou, se possível, desde o título.
O pessoal do Estado de S.Paulo identificou e resolveu o problema nos dois casos, com resultado especialmente feliz no primeiro. O segundo foi bem resolvido por todos os grandes jornais.
Na terça-feira (1º/11), o Estadão deu em manchete o desempenho fiscal: ‘Superávit bate recorde, mas os juros também’. Nenhum outro grande jornal destacou os dois aspectos logo na apresentação da notícia. No entanto, o contraste era ostensivo para quem folheasse com um mínimo de atenção a nota do Banco Central.
A notícia completa era indicada já na primeira página do relatório: haviam crescido o superávit primário (calculado sem os juros) e o déficit nominal (resultado completo). A explicação aritmética era evidente e a história mais completa seria encontrável seis páginas adiante, no Quadro V.
Entre abril e setembro, o déficit nominal acumulado em 12 meses havia aumentado de forma quase contínua de 2,49% para 2,91% do PIB. Na mesma série, os juros nominais haviam passado de 7,57% para 8,07% do PIB, enquanto o superávit primário havia crescido de 5,08% para 5,16%.
Era claro o efeito da política de juros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Essa política havia inutilizado, como todo mundo sempre soube, parte do esforço financeiro do setor público, mas, dessa vez, o tamanho do estrago era especialmente visível.
Combinação de hipóteses
Na quinta-feira seguinte (3/11), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou o primeiro levantamento de intenção de plantio da safra de grãos e oleaginosas, com uma estimativa inicial de produção. Também nesse caso havia um contraste forte entre dois aspectos da notícia.
Do lado positivo havia a estimativa de uma produção bem maior que a da temporada anterior. Mas essa avaliação era baseada na hipótese de condições normais de tempo, com chuvas na quantidade certa e nas fases mais favoráveis. A quebra da safra 2004-2005 foi causada principalmente pela seca no Centro-Sul.
Do lado negativo o relatório apresentava dois dados muito ruins. De janeiro a setembro os agricultores compraram menos fertilizantes e a redução maior, 18,3%, ocorreu exatamente na região Centro-Sul, a mais afetada pelas perdas da safra anterior. Espera-se, portanto, uma redução de tecnologia no tratamento das lavouras, na produção atualmente em plantio.
A segunda notícia negativa é a diminuição da área plantada. A estimativa inicial indica redução de área para algodão, arroz, soja e trigo e aumento para feijão e milho. Para o conjunto das culturas, a diminuição deve ficar entre 3,4% e 5,7%.
Vários jornais conseguiram apresentar um noticiário bem arredondado. O Estado de S.Paulo destacou no título a redução do plantio (‘Área plantada pode ser 5,7% menor’) e ampliou a informação na linha-fina, antigamente conhecida como subtítulo: ‘Agricultores cortam investimentos e reduzem plantios, mas clima deve garantir produtividade maior do que na última safra’).
Valor deu informação mais ampla logo no título: ‘Safra terá área menor, mas produção pode ser recorde’. A Folha de S.Paulo também juntou as duas informações no título: ‘Safra crescerá, mesmo com plantio menor’. O Globo dividiu as informações entre o título e o subtítulo: ‘Área cultivada poderá encolher 5,7%’ – ‘Produção agrícola, no entanto, crescerá 10% se o clima ajudar em 2006’. A única falha, nesse caso, é a combinação das duas hipóteses: a maior produção é estimada para o caso de menor encolhimento do plantio.
Atenção e esforço
A Gazeta Mercantil saiu com duas matérias, uma sobre o levantamento da Conab, outra sobre a reação do mercado: foi esta a escolhida para a chamada na primeira página: ‘Soja sobe 3% com redução da área de plantio’.
O Estado de S.Paulo e o Valor haviam antecipado a tendência de redução de plantio, em matérias publicadas na quinta-feira (3/11). ‘Estimativa de plantio medirá a crise agrícola’, publicou o Estado, enquanto o Valor saiu com um balanço das perdas do ano e avaliações de cinco importantes economistas sobre a situação do setor e as condições para a retomada.
Todo manual de jornalismo ensina pauteiros, editores e repórteres a ouvir mais de um lado sobre qualquer assunto polêmico, especialmente quando há críticas ou acusações a algum indivíduo, grupo ou entidade. Mas pouco se discute a importância de cobrir e apresentar com precisão e clareza os diferentes aspectos, às vezes contrastantes, de um mesmo assunto.
Uma história redonda pode ter mais de um lado. Oferecer ao leitor os dois ou mais aspectos importantes de um fato nem sempre exige um grande consumo de espaço. Mas com certeza requer atenção para perceber o problema e algum esforço para resolvê-lo. O leitor paga por esse trabalho.
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Jornalista