Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Até quando o jornalismo aguentará a incerteza financeira?

Imagem: Associação Profissão Jornalismo (APJor)

O jornalismo gera hoje uma montanha de dinheiro para empresas digitais como Google e Facebook, mas os profissionais que fazem as notícias assistem de longe, e sem compartilhar, a euforia financeira das chamadas big techs.

Se você é jornalista em início de carreira, estudante de jornalismo ou sonha em ser repórter, talvez você não acredite, mas o seu futuro é um enorme ponto de interrogação. Esta dúvida está oculta por todo o glamour das novas tecnologias que, estão revolucionando o exercício da profissão. Novas modalidades de jornalismo surgem a todo instante abrindo possibilidades inéditas na produção de notícias. Mas tudo isto depende de uma coisa básica, que a gente só descobre depois que mergulhou no admirável mundo novo da informação digitalizada e instantânea: onde está o dinheiro para pagar as contas.

A sobrevivência econômica dos jornalistas é uma das grandes incógnitas existentes em torno do futuro da profissão. Todo mundo discute o que vai acontecer com os jornais, se as notícias serão gratuitas ou não, se podemos confiar nas redes sociais e como fica a nossa privacidade online. Mas são raríssimos os debates públicos sobre como os produtores de notícias participarão do bolo publicitário mundial, onde 46% das receitas (num total de 296 bilhões de dólares, 1,5 trilhão de reais) são controlados por apenas cinco mega plataformas digitais.

Toda esta montanha de dinheiro vem de anúncios cujo valor comercial tem origem na associação entre os produtos, bens e serviços publicitados com notícias e informações que atraem o interesse das pessoas. Sem notícias, os anúncios perdem quase 80% do seu potencial de venda. E sem jornalistas, não há notícias com suficiente credibilidade, exatidão, relevância e pertinência para atrair a atenção do público. Resumindo, sem produção jornalística, não há como captar a atenção das audiências, e sem esta atenção, não há como divulgar e promover a comercialização de bens, produtos e serviços. É simples assim.

O fantasma do desemprego no jornalismo

Apesar de estarem na origem da bilionária receita das plataformas digitais — Facebook, Google, Amazon (norte-americanas) e Alibaba e Bytedance (ambas chinesas) — os jornalistas ficam restritos à cobertura noticiosa do sucesso destas empresas, que usam dados fornecidos gratuitamente por seus usuários para personalizar e customizar os anúncios vendidos a peso de ouro para seus clientes. Esta segregação financeira está custando muito caro para o jornalismo. Só nos Estados Unidos, 27 mil jornalistas perderam empregos estáveis entre 2008 e 2019, segundo o Pew Research Center. Este número não inclui os que passaram a ser free lancers ou temporários. Aqui no Brasil, faltam dados nacionais, mas o Sindicado de Jornalistas de São Paulo revelou que entre 2013 e 2018, só no estado, 3.300 profissionais perderam empregos de carteira assinada.

As plataformas digitais são hoje o principal obstáculo a uma participação mais justa dos jornalistas no fatiamento do bloco publicitário global. As grandes corporações como, por exemplo, a Rede Globo, Estadão e Folha de S.Paulo, também sofrem grandes perdas financeiras por conta da migração de audiências e de publicidade para as redes sociais. Mas o que os conglomerados midiáticos cobram das plataformas é a regulamentação da comercialização de notícias na internet enquanto os jornalistas buscam o reconhecimento financeiro do seu trabalho. Na verdade, tanto as Organizações Globo como o Facebook vivem do conteúdo produzido por jornalistas, só que as primeiras pagam salários enquanto a empresa de Mark Zuckerberg alega que só republica notícias, logo não precisa pagar a ninguém.

Não vai ser fácil mudar esta discriminação financeira em relação ao jornalismo. Não se trata de uma questão apenas salarial e sim de participação no faturamento publicitário das plataformas digitais. Não é salário, porque a velha relação empregatícia, a da carteira assinada, está sendo substituída por novas formas de trabalho digital com regras bem diferentes, onde predomina o chamado trabalho fluido, por tarefa, quase no estilo diarista ou mensalista. Mas isto se refere a apenas uma parte da relação entre o jornalismo e as plataformas, porque da mesma forma que no mundo analógico, a maior parte do valor gerado por conteúdos jornalísticos é absorvido pelas empresas na forma de anúncios pagos. A Globo, por exemplo, paga bons salários a seus jornalistas, mas ela ganha muito mais com a publicidade inserida na programação tanto aberta como a por assinatura.

A guerra entre plataformas e os barões da imprensa

As plataformas são um caso específico porque elas reproduzem conteúdos alheios, seja de outras empresas, seja de comentários ou postagens de usuários. Alguns impérios jornalísticos ameaçados de bancarrota, como é o caso do conglomerado News Co. do bilionário Rupert Murdoch, pressionaram políticos australianos a usar a máquina estatal para forçar o Google a pagar pela republicação de notícias produzidas pelos jornais e telejornais. Murdoch chantageou o primeiro-ministro australiano Scott Morrison ameaçando não apoiá-lo nas próximas eleições legislativas caso o governo pressionasse o Google, que cedeu parcialmente.

Google e Facebook prometeram investir um bilhão de dólares, cada um, no financiamento de atividades jornalísticas ao mesmo tempo que fizeram juras de amor ao trabalho dos profissionais da notícia. Isto aconteceu em fevereiro, logo depois do bate-boca com o governo australiano. Foi uma clara manobra para refazer a imagem de ambas as plataformas diante das críticas mundiais por concentração de poder econômico e político, usando a informação produzida por jornalistas.

Os jornalistas não têm o mesmo poder de fogo de um primeiro-ministro, logo sua estratégia para arrancar uma participação justa na divisão do bolo publicitário das plataformas terá que seguir um caminho próprio, ainda não explorado. Seguramente, não haverá uma fórmula única para todos os países e todas as modalidades de jornalismo, mas quem não tentar achar seu próprio caminho, só aumentará as estatísticas de desemprego.

Não será fácil para os profissionais arrancar das plataformas uma repartição mais adequada do faturamento que elas obtêm com publicidade, principalmente depois que empresas como Google e Facebook intensificaram os financiamentos a projetos na área jornalística para neutralizar críticas ao uso comercial de dados obtidos, sem pagamento, a usuários e produtores de notícias. Há outros obstáculos importantes como a cultura da dependência de empregos fixos e seguros, a polêmica mundial sobre direitos autorais na produção de notícias, o abandono da ideia de que o jornalista é um personagem privilegiado por sua proximidade com os poderosos e, especialmente, a nova necessidade de buscar na comunidade tanto a fonte de informações como a sustentabilidade financeira. São desafios imensos, mas inevitáveis e inadiáveis porque é a nossa sobrevivência como profissão que está em jogo.

Texto publicado originalmente pelo objETHOS.

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Carlos Castilho é jornalista e pesquisador associado do objETHOS.