Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bernardo Ajzenberg

‘Reportagem publicada em Brasil na última terça-feira sobre manifestação realizada na véspera, na avenida Paulista, em protesto contra o fechamento dos bingos informava que, ‘segundo a Polícia Militar’, 12 mil pessoas participaram do ato.

Algumas páginas adiante, em Cotidiano, um outro texto noticiava que o dia anterior havia registrado o maior índice de congestionamento deste ano em São Paulo e que um dos motivos para isso fora justamente aquela manifestação, à qual compareceram, ‘segundo a PM’, pelo menos 6.000 pessoas.

Doze mil e 6.000 mil, ambos os dados, tão díspares, obtidos da mesma fonte (a PM)… Como fica o leitor? E o sentido do jornal como registro histórico confiável dos acontecimentos?

A avaliação de multidões não é um problema novo para o jornalismo, ao contrário. Mas o valor simbólico e político que ela adquire ultrapassa cada vez mais, e muito, os seus limites.

Não por acaso, repórteres costumam recorrer à PM, uma fonte supostamente neutra e mais experiente, para oferecer um contrapeso às estimativas, geralmente infladas, dos organizadores das manifestações (nesse caso, a Força Sindical falou em 30 mil presentes).

O ‘Manual da Redação’ da Folha, por exemplo, tem um verbete para o tema, nessa direção.
Após afirmar que, em ‘evento importante’, o jornal deve usar ‘método científico de medição do local, com assessoria do Datafolha’, ele recomenda: ‘em evento menos importante, ouvir versão do organizador, do adversário (se houver), de autoridade e de observador isento; se possível, o jornalista deve contar ou estimar o número de participantes’.

Até aí, tudo bem. Ocorre que, para além de eventuais distorções deliberadas, não há mágica nesses cálculos arriscados.

A própria PM depende da experiência de seus quadros em tal tipo de avaliação e, de modo empírico, faz apenas estimativas, baseadas na área ocupada e em pressupostos como, por exemplo, o de que, numa aglomeração muito ‘apertada’, são cinco as pessoas por m2. Ainda assim, há divergências.

No caso em questão, a fonte usada na reportagem de Brasil, conforme apurei, foi o 11º Batalhão da PM, encarregado de fazer a segurança do protesto na avenida Paulista. Já a informação de Cotidiano proveio do Comando Geral da PM.

Ora, sendo às vezes inevitável que, no ‘calor dos acontecimentos’, diferentes editorias consultem diferentes fontes, como deveria o jornal proceder para evitar a confusão no produto final?

Uma saída seria adotar uma regra estabelecendo que não basta escrever ‘segundo a PM’, de modo genérico; cabe precisar de qual parte da corporação o dado surgiu.

Em segundo lugar, sempre que possível, expor as divergências (nessa terça, o ‘Estado de S.Paulo’ aproximou-se de um modelo adequado: registrou que policiais-militares presentes ao ato tinham a mesma estimativa da Força Sindical -30 mil- mas que o Comando Geral contabilizou 6.000 pessoas).

A quantidade de manifestantes, seja qual for o tema mobilizador (político, econômico ou comportamental), tem valor imediato e simbolismo histórico relevantes demais para que a mídia a trate de modo nebuloso.

Se é impossível a obtenção de resultados inquestionáveis, que ao menos se exponham as fontes de informação com mais precisão e mais transparência.

Aquela vocação do jornal, de ser um registro histórico dos acontecimentos, só se reforçaria, e menos confusão haveria na cabeça do leitor.’

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‘Pesquisa e manipulação’, copyright Folha de S. Paulo, 7/3/04

‘Vários leitores escreveram para reclamar da manchete de terça-feira (‘Maioria quer afastamento de Dirceu, mas poupa Lula’) e da forma como o jornal editou, naquele dia e na quarta, a pesquisa Datafolha que a ensejou (sobre o impacto do caso Waldomiro Diniz na população). Falou-se em leviandade, manipulação…

Segundo a reportagem, 67% dos eleitores brasileiros, de acordo com a pesquisa, consideram que o ministro-chefe da Casa Civil, a quem Diniz assessorava, deve se afastar do cargo.

Primeira crítica: como falar em ‘maioria dos eleitores’ favorável ao afastamento, se 47% dos pesquisados dizem não ter tomado conhecimento das acusações contra Diniz, entendendo-se, portanto, que os tais 67% se referem apenas à parcela restante (53%), que conhece o caso?

Segunda crítica: como afirmar a existência dessa maioria, se 53% dos pesquisados dizem nunca sequer ter ouvido falar em Waldomiro Diniz?

Consultei o diretor do Datafolha, sociólogo Mauro Paulino, e concluí que, se há, sim, motivo para o surgimento desses questionamentos, eles, no entanto, carecem de sustentação e não invalidam, ao fim, a manchete.

Não a invalidam porque a pergunta sobre o afastamento foi respondida por todos os entrevistados. ‘Tanto os que afirmaram ter conhecimento prévio do caso quanto os que o desconheciam receberam dos pesquisadores uma descrição objetiva do ocorrido e só depois opinaram a respeito’, esclarece Paulino.

O sociólogo faz uma analogia com as pesquisas eleitorais:

‘Após responder espontaneamente em quem pretende votar, o entrevistado recebe um cartão com os nomes dos candidatos e responde em qual votaria. Ao ser abordada, a maior parte dos entrevistados nem sabe que haverá eleição, mas é introduzida ao tema e, depois, tem suas respostas coletadas e projetadas para o restante da população.’

O diretor do Datafolha admite haver ‘restrições’ em pesquisas como essa, na medida em que os entrevistados ‘são sempre instados a se posicionar instantaneamente a respeito de questões muitas vezes distantes de suas preocupações diárias’. ‘Mas isso’, acrescenta, ‘é inerente a qualquer pesquisa de opinião’.

Penso, porém, que num aspecto aquelas perguntas em tom crítico têm explicação: é que esses esclarecimentos apareceram nos textos de forma muito tímida, ao pé da reportagem de terça.

Além disso, na de quarta, uma redação confusa dá a entender que os 67% dizem respeito, não ao conjunto dos entrevistados, mas só aos 47% que afirmam ter ouvido falar em Diniz.

Editorialmente, registre-se, mereciam mais destaque, também, com menção na Primeira Página, os dados sobre a ignorância a respeito do caso.

Apontar manipulação ou leviandade, a meu ver, não cabe aqui. Mas, certamente, faltaram didatismo e clareza na exposição dos resultados da pesquisa.’