Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bush e Lula, ‘álgool’ em comum

O Brasil não costuma ser citado na imprensa americana. Ainda mais em ano de eleição presidencial e de guerra no Iraque. Moro há quase um ano nos EUA e poucas vezes o nosso país foi citado na imprensa americana em geral – e ainda menos pelo prestigioso New York Times. Continuamos solenemente ignorados e esnobados pelos jornalistas e, por conseqüência, pelo povo americano. A imagem do Brasil nos EUA não é ruim. Ela simplesmente não existe.

Nesta semana, porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é destaque na edição de domingo do NYT (http://www.nytimes.com/2004/05/09/international/americas/09lula.html). A matéria faz questão de alertar os leitores americanos sobre as denúncias contra possíveis problemas do presidente brasileiro com o álcool. O governo brasileiro, por outro lado, em situação semelhante ao episódio dos Simpsons contra o Brasil – vocês lembram? – ameaça levar o jornalista e o NYT à Justiça. Ambas as notícias não poderiam vir em pior hora, tanto para o Brasil como para o governo Lula.

Hora H

Em meio ao recrudescimento das críticas, a justificativa ‘etílica’ para os desgovernos brasileiros parece um boa explicação. É uma notícia suficientemente sensacionalista e simples até mesmo para os desinformados e desinteressados leitores americanos. A reação tempestuosa do governo brasileiro contra a matéria vai ser muito bem-vinda na imprensa americana. O assunto – que poderia ser encarado como mera má vontade de jornalista americano contra o Brasil, contra governo dos trabalhadores, ou mera fofoca – passa a ter contornos de ‘crise internacional’.

O NYT deve estar tão feliz com a reação do governo brasileiro como o Michael Moore com a reação da Disney. Tem marqueteiro de político ou assessor de ‘império’ que realmente não consegue entender a cabeça dos jornalistas ou dos ‘agentes provocadores’.

A verdade é que, na cabeça do americanos em geral, o Brasil não é um pais sério. E, segundo a matéria do NYT, o novo presidente tem um perfil ‘estranho’, é um trabalhador, não freqüentou universidades, é líder sindical, foi eleito por um partido de esquerda e… gosta de beber.

Creio que os leitores brasileiros não entendem as implicações desse tipo de acusação nos EUA. Este país tem raízes puritanas, com um passado de leis e campanhas pela total ‘proibição’ de bebidas. Álcool, celebridades e política não se misturam. Ou, pelo menos, não deveriam se misturar ‘em público’.

Em diversas ocasiões, quando entrevistava e filmava celebridades americanas, eles sempre faziam questão de ‘afastar’ o cálice da frente das câmeras. Eu, na minha ingenuidade, não entendia ou me recusava a acreditar. O sujeito da entrevista era um político ou celebridade importante, já tinha bebido todas, mas na hora da H fazia sempre questão de esconder as imagens incriminatórias. ‘Por favor, vamos tirar essas garrafas daqui. Não quero que o publico veja.’ Entenderam?

Beber pode. Mas o público não deve saber nunca. Hipocrisia? Coisa de americanos? Certamente. Mas, talvez, eles tenham alguma razão.

Denúncias exageradas

O presidente Bush conhece bem esse problema da imagem pública de um político. Ele também teve muitos problemas com a bebida. Chegou mesmo a ser preso e sua carreira foi praticamente condenada pela mídia.

Um dia, tomou o rumo da religião e se afastou completamente da bebida. Tornou-se um cristão fervoroso, quase fanático, e diz a todos que ‘fala’ com Deus. Em um país com tradições seculares de separação entre o governo e a religião, faz questão de começar suas reuniões de gabinete, não com um copo na mão, mas com uma corrente de orações. Todos têm que participar. Ele sabe que isso é bom para a imagem de um presidente num país onde tantos lutam contra as suas ‘fraquezas’.

O problema é que Bush largou a bebida e se tornou um dos presidentes mais polêmicos e controversos de toda a história americana. Trocou a bebida pela voz de Deus. Teve que enfrentar os desastres de 11 de Setembro sem o conforto de um drinque para aliviar as tensões. Deve ter sido difícil. Como todo ex-alcoólatra, assumido ou não, o presidente americano teve que reconhecer suas fraquezas. Ele superou os problemas mas se tornou uma pessoa determinada, pouco flexível e quase intransigente – típico resultado de alguns programas de reabilitação. Suas posições políticas, principalmente no terreno internacional, refletem essa intransigência.

Pode ser que o presidente americano ainda sinta saudades de tempos mais felizes. Mas não se preocupa mais com as ‘ressacas’. Alguns críticos mais mordazes do governo Bush fazem questão de dizer que o problema de Bush, dos EUA e quiçá , do mundo não passa de uma crise de ‘abstinência’. Pobre mundo. Pagamos alto preço para que Bush supere seus próprios problemas e aprenda a ser menos intransigente. Considerando as últimas pesquisas eleitorais, temos que torcer para que Bush supere seus problemas e se torne mais humano e flexível. Deve ser difícil. Mudar pode significar voltar a uma situação anterior. Mudar, para ele, pode significar voltar a beber – e voltar a beber pode significar um problema ainda maior para o mundo.

Mas o que presidente Lula tem a ver com essa historia? Simples. Tomara que as denúncias contra os problemas de bebida do presidente Lula sejam realmente exageradas. Tomara que ele jamais precise de passar por programas de reabilitação. Tomara que ele não fique parecido com o presidente Bush. O Brasil, assim como o mundo, precisa de um presidente mais humano, flexível e menos intransigente.

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Jornalista, doutor em Ciência da Informação, professor da UERJ e professor-visitante da Universidade Rutgers (Nova Jersey, EUA)