Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cadê o meu capacete?

Este artigo começa diferente, com uma nota do autor. Na verdade, trata-se de uma pensata sobre a cobertura da mídia carioca quando o assunto é violência urbana. Nele estarão questionamentos e convicções próprias de um jornalista que, durante 20 anos, trabalhou com este tipo de noticiário em telejornais diários. Ao leitor, peço que reflita e que debata também. Afinal, se estamos longe de uma solução para o tema, com certeza ela passa por um sério debate.


Nos jornais, na internet, nas rádios e nos noticiários de TV, a nova onda de violência no Rio de Janeiro está nas manchetes. Não se trata de uma novidade, porém, já que a cidade sofre constantemente com ações do tráfico de drogas e a mídia brasileira está sempre pronta a noticiar os fatos.


Isso é um problema? Claro que não, afinal a imprensa deve noticiar fatos. Mas o que me pergunto é: isso está sendo feito da maneira correta ou, muitas vezes, a nossa mídia carrega nas tintas?


Essa mais recente ofensiva dos bandidos cariocas foi classificada, em alguns meios de comunicação, como ‘a guerra do Rio’. Isso é jornalismo ou tal bordão não passa de um artifício jornalístico para valorizar uma manchete? A fronteira, temos que admitir, é uma linha tênue. Mas, se aceitarmos que se trata realmente de uma guerra, não caberia à imprensa se comportar de forma mais cuidadosa, preocupando-se mais com o lado dos ‘mocinhos’ ao invés de supervalorizar as ações dos bandidos? Ou a notícia deve ser dada, doa a quem doer?


Comentários irresponsáveis


Um noticiário além da medida não gera uma sensação de pânico na população? E isso não acaba sendo favorável aos bandidos? Só na quarta-feira (24/11), ouvi falar sobre um caminhão-bomba na ponte Rio-Niterói (falso), cenas de guerrilha com tiroteio dentro do túnel Rebouças (falso também) e de uma ameça de bomba em Ipanema (era uma caixa de madeira vazia que seria utilizada em uma ação promocional). Boatos que vão se multiplicando, impulsionados pelo medo.


Não quero minimizar a situação, mas também acho que é importante refletir sobre ela. Era inevitável que em algum momento houvesse reação contra a implantação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Não se coloca um elefante dentro de uma loja de cristais sem que alguns copos sejam quebrados. Só que em vez desse tipo de interpretação ser feito por nossa mídia, opta-se por manchetes espalhafatosas que só engrandecem os atos criminosos. Na semana passada começaram a juntar esses casos e logo se proclamava que havia uma nova modalidade de crime no Rio. Agora, pensem comigo: esse tipo de abordagem não acaba oficializando ações que poderiam até ser isoladas e dando, como dizem por aí, ‘ideia para maluco’?


E o pior é ouvir no rádio que a culpa é do governo, que decidiu mexer numa situação que estava sob controle (?). O comunicador (?), que nem merece ser citado, dizia aos brados que se tinham mexido com o vespeiro, agora deviam aguentar as ferroadas. Uma irresponsabilidade total.


Nossa imprensa dá mais importância para os bandidos do que eles próprios se dão. E quando eles veem que alguma ação apavora as pessoas, passam a intensificá-la, realimentando o círculo vicioso.


Ética inversa


Este tipo de ação assusta? Claro que sim, mas raciocinemos: qualquer moleque, a mando do tráfico, pode jogar uma garrafa de gasolina sob um carro ou um ônibus e tocar fogo nele. É pouco? Não. Mas, infelizmente, também já vivemos situações bem mais graves no Rio de Janeiro. Só que a cada nova ofensiva, uma luz de alerta se acende dentro de cada carioca e de nossa imprensa. Uma reação analisada pelo sociólogo Ignácio Cano em recente entrevista para a BBC Brasil:




‘As pessoas lidam com insegurança no Rio de forma cíclica e dramática. Para conviver com o alto nível de violência na cidade, as pessoas tratam como se ela não existisse. Mas, então, surge um evento de grande repercussão e vira uma pauta central na cidade, todos discutem, é uma grande catarse.’


O que fazer? Não noticiar?


Não. Acho que essa não é a solução, nem o papel do jornalismo. Mas creio que numa situação de ‘guerra’ – que existe, segundo os próprios meios de comunicação – a imprensa deveria tomar alguns cuidados. Alguns erros são crassos. Da mesma forma como existe um acordo informal para não noticiar suicídios, para não divulgar valor de resgates de sequestros ou de venda de substâncias ilícitas, também deveria haver um bloqueio a certas informações ligadas ao tráfico de drogas. Por exemplo: traficante e bandido não têm nome, nem tampouco cargo ou posto. Bandido é bandido, traficante é traficante.


A ética entre esses marginais é inversa. Bandido que tem nome no jornal é o ‘bicho’, é o cara que está barbarizando e por isso mesmo passa a ser mais respeitado e a ter mais poder. Se o Fernandinho Beira-Mar está preso, esqueçamos que ele existe, a não ser que alguma notícia sobre ele seja realmente necessária. Não dá é para ficar falando dele cada vez que vier prestar depoimento no Rio. Rei morto, rei posto.


Não podemos ficar servindo de diário oficial da bandidagem, mas o problema é que isso dá ibope e não faltam programas jornalísticos (porque telejornais não são), ou programas de rádio, ou jornais populares, quase totalmente voltados para esta questão da violência na cidade.


Cito a manchete da primeira página do jornal Extra de quarta-feira (24/11). ‘UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) X UPP (Unidos pelo pó)’. Fico pensando no que se passava na cabeça de quem bolou tal manchete. E só me vem uma resposta: cifras (de tiragem e de faturamento).


Será que é assim que tem que ser?

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Editor-chefe do Observatório da Imprensa na TV e professor de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro