Caio Túlio Costa foi um dos pioneiros em temas que hoje estão na ordem do dia do jornalismo: o impacto da internet nos modelos de negócio e nos modos de produção e circulação das reportagens. Participou ativamente do projeto de criação do UOL, do qual foi o Diretor Geral até 2002. Foi também o primeiro Ombudsman da imprensa brasileira, cargo que ocupou na Folha de São Paulo nos anos 1990.
Mineiro de Alfenas, Caio é professor da pós-graduação em jornalismo na Escola de Propaganda e Marketing (ESPM) em São Paulo. Em 2013 foi Visiting Research Fellow na Columbia University Graduate School of Journalism, em Nova York.
É também fundador do Torabit, um sistema de monitoramento digital . Caio Tulio integra os conselhos da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura-SP), da Transparência Brasil, da Revista Pesquisa Fapesp e da Revista de Jornalismo da ESPM, editada em conjunto com a escola de jornalismo da Universidade Columbia.
É autor de quatro livros: Ética, jornalismo e nova mídia – uma moral provisória (Zahar, 2009), O que é Anarquismo (Brasiliense, 1981), Cale-se (A Girafa, 2003) e Ombudsman – O Relógio de Pascal (Geração Editorial, 2006; Siciliano, 1990). Escreveu também vários artigos acadêmicos e organizou publicações como 50 Brasileiros param para pensar o país (Instituto DNA Brasil, 2005) e Somos ou estamos corruptos? (Instituto DNA Brasil: 2006).
“Moral Provisória – Ética e jornalismo: da gênese à nova mídia” é o título de sua tese de doutorado defendida em junho de 2008 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – a mesma que foi editada em livro pela Zahar.
Na entrevista abaixo, dada por e-mail ao jornalista Pedro Varoni, Caio fala sobre o atual momento do jornalismo no ocidente e no Brasil abordando tanto o aspecto econômico quanto ético. Sobre a extinção do cargo de Ombusdman no New York Times, o jornalista é categórico: “Foi péssima a demissão e pior ainda a explicação”. Quando perguntando sobre uma possível reconfiguração do jornalismo pós- lava jato, Caio se volta aos valores basilares da profissão: independência, transparência, espirito crítico e capacidade investigativa.
Recentemente o New York Times anunciou a extinção do cargo de ombudsman função que, teoricamente, teria sido suplantada pela lógica da cultura participativa em rede. Como você analisa essa decisão e quais seriam os papeis de um ombudsman no ecossistema midiático contemporâneo, ele é ainda uma figura necessária?
C.T.: Achei essa desculpa absolutamente esfarrapada. É claro que o leitorado exerce a crítica do jornalismo praticado pelo seu jornal favorito – seja na internet seja por meio de cartas e telefonemas quando ainda não existiam as redes sociais. Elas amplificaram e facilitaram a interação com o leitorado. Mas essa crítica, este acompanhamento feito pelos leitores, em nada se assemelha ao trabalho do editor público, ou ombudsman. Ele faz a crítica do jornal de uma forma técnica. Faz a crítica do ponto de vista de um profissional do jornalismo movido pelo interesse do leitor. Abrir mão deste olhar técnico, do expert, é abrir mão da discussão sistemática e profissional do jornalismo praticado. Foi péssima a demissão e pior ainda a explicação.
A crise política e institucional que se arrasta no Brasil desde 2013 tem implicações éticas no trabalho jornalístico? Você acha que existe no Brasil uma crise de representação em relação ao jornalismo? Como ele pode se reconfigurar diante desse cenário?
C.T.: Evidentemente que sim, tem implicações éticas. Principalmente em relação às questões de verdade e de mentira. O país está dividido majoritariamente entre esquerda e direita (apesar desses termos serem hoje tão velhos e pouco significativos!) e cada lado acha que tem razão e que o outro exagera ou mente. Sem falar nas outras divisões que opõem conservadores, liberais, esquerdas, direitas e radicais de toda ordem. A imprensa também se divide, de certa forma, e assim ela vai cumprido seu papel. Do ponto de vista ideológico a boa notícia é que a esquerda, com um belo empurrão dos governos do PT, conseguiu algum espaço, principalmente na internet. Por isso, não há mais o que reconfigurar. A reconfiguração que já foi feita. E hoje não é preciso de poder econômico para se comunicar. Esta fantástica virada foi trazida pelos meios digitais e veio para ficar. Teremos que conviver com esta nova realidade, fruto da disrupção nas comunicações.
Em 2014 você escreveu um artigo- publicado também pelo observatório da imprensa – sobre modelos de negócio para o jornalismo digital em que defendia, entre outras coisas, que as empresas de informação deveriam se transformar em empresas de serviços como forma de sustentabilidade financeira. Você acha que as empresas tem seguido esse caminho?
C.T.: Absolutamente não. As empresas jornalísticas continuam teimando em buscar receitas digitais apenas em publicidade e assinatura (via diversas formas de paywall). A nova fonte de receita sugerida no paper, criar produtos/serviços de valor adicionado, praticamente tem sido ignorada. No memento, a impressão que se tem é a de que apenas o Washington Post pode seguir por este caminho.
Diante do impacto de dois fatores- a crise econômica brasileira e as mudanças na forma de produção e circulação de notícias – quais seriam os caminhos possíveis para o fortalecimento das empresas de comunicação?
C.T.: O estudo ao qual você se referiu acima explicava, exaustivamente, que a saída é procurar uma terceira fonte de receitas, já que publicidade e assinaturas não conseguem pagar as contas de uma redação online independente, voltada para a investigação, para o jornalismo crítico e determinado a acompanhar os poderes (econômicos, políticos, culturais) com total distanciamento. A única forma capaz de dar sustentabilidade a um veículo digital de maiores proporções (que fique do tamanho das redações de imprensa clássicas) é criar uma outra fonte de receitas, que viria dos produtos de valor adicionado. As empresas jornalísticas precisam fazer como fizeram as empresas de telecomunicações quando acabou o tráfego nas linhas fixas. Criaram os tráfegos de dados, e os celulares. Os barões do jornalismo continuam agarrados às suas edições tradicionais e estão vendo-as morrer, definhar. A cadeia de valor no mundo digital é outra.
Qual o impacto dos novos formatos disponíveis na internet na linguagem jornalística tradicional? O que é preciso mudar?
C.T.: Primeiro de tudo, é preciso mudar a cabeça dos jornalistas. A maioria tem a cabeça analógica. Não haverá tempo para que as novas gerações, de cabeças digitais, tome conta do negócio. Pode ser que quando as novas gerações chegarem ao poder esta imprensa que conhecemos hoje não mais exista. Enquanto isso, o novo jornalista precisa dominar as técnicas capazes de produzir boas narrativas – o que implica não apenas saber ler e escrever, mas também trabalhar conteúdos multimídia, entender o monitoramento digital e a força da hiperdistribuição de conteúdos via redes sociais.
O que é o índice Torabit?
C.T.: O índice nada mais é do que um ranking de um determinado nicho, como o dos veículos de comunicação publicado no Observatório. Ele mede a taxa de engajamento dos usuários com uma determinada marca, nome ou instituição. É possível obter esta taxa em qualquer atividade nas redes sociais. É muito simples. Ele é a soma de todas as ações que os usuários praticam em cada rede numa determinada página ou perfil (como likes, comentários e compartilhamentos no caso do Facebook), multiplica por 100 e divide pela quantidade de seguidores que esta página ou perfil tem diariamente. Este índice reflete o aproveitamento de cada marca versus sua base de fãs, ou seja, mostra proporcionalmente o quanto do conteúdo ofertado é relevante para os fãs. A média mensal desta taxa de engajamento é um ranking, publicado em forma de infográfico. Quanto melhor a taxa, mais o engajamento da referida marca com os seus usuários.
Como é possível com as tecnologias de inteligência artificial medir aspectos como engajamento dos usuários com as marcas?
C.T.: É simples. Basta capturar os dados diariamente e realizar a continha descrita na resposta anterior. A inteligência artificial pode sofisticar estes aspectos – e de uma maneira quase infinita. Como, por exemplo, dando peso a cada ação praticada em rede. Mas tudo isso é muito simples e conforme se desenvolve esta técnica, muito mais aspectos poderão ser identificados.
Em que medida aspectos como circulação (no caso dos meios impressos) ou audiência (no rádio e na TV) são imprecisos para avaliar o comportamento dos usuários com as mídias?
C.T.: Basta ver, no Facebook, por exemplo, como as reactions podem ser contadas como ações, mas, no fundo, duas delas – Triste e Grr – significam reação negativa. Então isto precisa ser ponderado no momento de verificar a taxa de engajamento. Quando você compra um jornal impresso ou vê um canal normal de televisão as suas reações não são captadas em tempo real – na internet podem ser. Não é que sejam imprecisos os dados, eles são inexistentes na velha mídia, a não ser que você faça uma pesquisa de campo.
Como o jornalismo brasileiro deve se preparar para as eleições de 2018 no cenário pós-lava jato?
C.T.: A receita é a mesma de sempre: independência, transparência, espírito crítico e capacidade investigativa.