‘WikiLeaks…poderá se tornar uma ferramenta jornalística tão importante quanto o Freedom of Information Act’ – revista Time.
Enquanto o site WikiLeaks revelava segredos em doses homeopáticas, ainda que horripilantes, como o vídeo de helicópteros Apache metralhando inocentes desarmados nas ruas de Bagdá, os liberais que dizem acreditar na democracia, e até tentam impingi-la através da guerra, pareciam conseguir encaixar tudo isso na lógica do contrato social que define a ética e a moral representados na figura da Lei – mas nem sempre da Justiça. Quem discordar dessa assertiva aparentemente atrevida não deve se esquecer que o jornal O Estado de S. Paulo, que não é pouca coisa em termos de prestígio e credibilidade, está censurado há quase 500 dias por obra e graça da oligarquia Sarney. Nada menos do que um tapa na cara do Estado Democrático de Direito.
No entanto, o gesto ousado do australiano Julian Assange, o cérebro do WikiLeaks, ao espalhar segredos a granel, despertou a ira coletiva dos poderosos , até mesmo de quem advogava o fim dos paraísos fiscais, esses aconchegantes ninhos de verbas secretas advindas de negócios escusos. Barack Obama, outrora ardoroso adepto da ideia, nunca mais tocou no assunto.
Foi demais a avalanche de denúncias escabrosas, como a que atingiu a até então respeitável Pfizer, acusada de chantagear o chefe do Ministério Público da Nigéria, Michael Aondoakaa, para que encerrasse processos envolvendo a companhia cujos médicos, durante uma epidemia de meningite bacteriana, trataram 200 crianças; metade delas com o medicamento Trovan, e o restante com o melhor antibiótico usado contra a doença nos EUA, o ceftriaxone, na época.
‘Crime’ tão difícil de provar quanto de negar
Em novembro de 2009, um acordo com o governo nigeriano encerrou as ações cíveis e criminais contra a empresa. Como diz o jornal The Guardian, numa prática consagrada, o acordo foi velado por uma cláusula de confidencialidade. E as cobaias humanas de Kano, no norte da Nigéria, caíram no esquecimento.
Há três anos, 400 toneladas de lixo tóxico do cargueiro Probo Koala, fretado pela trading Trafigura, foram descarregadas no porto de Abidjan, na Costa do Marfim, oeste da África, atingindo 31.000 africanos. Seguindo o manual de conduta que prevalece nesses casos, a Trafigura tentou calar a imprensa britânica e de outros países.
Pior que os Estados Unidos desejarem incriminar Assange – renegando a Primeira Emenda – é a ironia de o mesmo país que entrega o prêmio Nobel de Literatura ao escritor Mario Vargas Llosa, um dos maiores defensores da liberdade de expressão, expedir um mandado de prisão contra o editor do WikiLeaks baseado na ridícula acusação de crime sexual por duas mulheres com as quais teria feito sexo sem preservativo, algo tão difícil de provar quanto de negar.
Quão sincero terá sido Obama ao proferir a verdade de que o dissidente chinês Liu Xiaobo merece, muito mais do que ele, o Nobel da Paz?
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Jornalista