O que é notícia? O que vale a pena apurar? Em época de eleição, pode-se flexibilizar o conceito de interesse público? Até que ponto os jornalistas podem se sentir livres para apurar e divulgar informações que acreditam ser importantes para a sociedade? Todas estas perguntas vêm tencionando as relações de poder nas redações dos veículos de informação em Pernambuco, especialmente nos jornais.
O debate televisivo de que participaram todos os candidatos a governador de Pernambuco, na noite de 28 de agosto pela TV Clube (emissora que pertence aos Diários Associados) trouxe um fato novo às eleições do estado. Num determinado momento, o candidato Edílson Silva (Psol) denunciou um suposto “calote” de 375 milhões de reais, de responsabilidade do deputado federal candidato à reeleição José Mendonça (PFL-PE), pai do governador-candidato Mendonça Filho (PFL), ao Banco do Nordeste.
Fora da pauta
Logo no dia seguinte, uma terça-feira, o assunto foi parar na propaganda política de televisão do candidato do PSB, Eduardo Campos. Na quarta, o Tribunal Regional Eleitoral (TER) proibiu a Frente Popular de Pernambuco, que apóia Campos, a voltar a mencionar a dívida, por considerar o assunto ofensivo à família de Mendonça.
Em outros tempos, a denúncia, por si só, já poderia ser considerada um bom gancho para que os jornais pernambucanos pudessem ir a fundo no assunto, procurando saber o que há de verdade (e de versões) nessa história. Afinal de contas, haveria tal dívida? O que o Banco do Nordeste tem a dizer? O que as instâncias de Justiça por onde deve ter havido alguma negociação têm a dizer? O que o denunciado, José Mendonça, tem a dizer?
Quem esperava ver na imprensa respostas a estas perguntas está esperando até agora. Na Folha de Pernambuco, o assunto não entrou na pauta em momento algum – nem no texto da cobertura do debate. É como se não tivesse havido denúncia alguma. Matérias sobre o fato estavam no site da Agência Nordeste (do grupo Folha PE, de propriedade do empresário do setor sucroalcooleiro Eduardo Queiroz Monteiro). Mas foram retiradas do ar algumas horas após publicadas.
Nota paga
O Diario de Pernambuco (também dos Associados) foi discreto. Mencionou a denúncia na cobertura do debate e só voltou a falar no assunto em matéria sobre a proibição de uso no guia socialista. Apenas o Jornal do Commercio, que pertence ao empresário João Carlos Paes Mendonça, deu alguma repercussão ao caso, inclusive informando, ontem, que Campos estava usando a denúncia em seu guia.
Além do jornal impresso, o Sistema Jornal do Commercio de Comunicação também detém um canal de televisão, cinco emissoras de rádio e um portal de internet. Este portal, o JCOnline, lançou o Blog do JC, que se dedica exclusivamente à cobertura das eleições. Os responsáveis por este blog também estranharam o silêncio dos colegas. Chegou a publicar nota questionando a falta de apuração mais trabalhada sobre o alegado “calote” de Mendonção. Estranhamente, o texto desapareceu pouco tempo após sua publicação.
Triste da imprensa que não pode questionar a imprensa.
Mais de uma semana depois da denúncia, ninguém do Banco do Nordeste se pronunciou em nenhuma reportagem de nenhum veículo de comunicação. José Mendonça, o denunciado, ainda não foi entrevistado por quem quer que seja para falar da suposta dívida. O mais próximo que se chegou disso foi num espaço caracterizado como nota paga, de um quarto de página, assinado pelo deputado e publicado no fim de semana pelos três grandes jornais pernambucanos. Em sua versão, Mendonça afirma que o débito, contraído 11 anos atrás, era originalmente de “apenas” R$ 6 milhões e que o restante da dívida representa juro abusivo cobrado pelo banco.
Hora de acontecer
Em algumas redações, a ordem é clara. Não se fala do assunto a não ser que haja um fato novo gerado, necessariamente, pelo Tribunal Regional Eleitoral. Assim, por exemplo, falou-se do mandado de busca e apreensão emitido pelo desembargador Mauro Maggi para que fosse recolhido todo e qualquer material impresso em que houvesse denúncia contra o parlamentar.
Há empresas em que se pede que a suposta dívida do deputado seja tratada “com discrição”. Aqui e acolá, consegue-se, à base de muito jogo de cintura, trazer o assunto à tona. Mas dão-se apenas “pinceladas” sobre a denúncia, como na quarta-feira (6 de setembro), numa entrevista de Mendonça Filho à Rádio Folha (do Grupo EQM). Nada de buscar documentos, nada de ouvir-se o banco. Nada de consultar o aparelho de Justiça.
Vale lembrar: em Pernambuco, nenhum grupo de comunicação pronunciou-se oficialmente, em editorial, comunicando à população sua preferência por candidato algum nestas eleições. Talvez fosse a hora de isso acontecer.
******
Jornalista da equipe de comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire e um dos editores do blog Ombuds PE, que monitora a imprensa pernambucana à luz dos direitos humanos; articulador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos