Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Caminhos para o jornalismo investigativo

O jornalismo investigativo, a espinha dorsal da profissão, requer um alto investimento. Profissionais capacitados, tempo disponível para aprofundar apurações mais demoradas e despesas com viagens são alguns dos requisitos para uma reportagem investigativa de fôlego. Mesmo para os jornais de circulação nacional, o custo pode inviabilizar a realização do trabalho. Diante desse cenário, um grupo de jornalistas decidiu aproveitar a experiência de outros países para montar a Pública, uma agência independente que produz material investigativo de interesse público.

A agência foi fundada em março de 2011e abre espaço para temas pouco explorados pela imprensa brasileira. A agenda de pautas é diversificada. Temas como a militarização da administração municipal em São Paulo, as desumanas condições das empregadas domésticas no Pará e a venda de armas para os movimentos da Primavera Árabe dividem o espaço no site da agência. E todo o conteúdo produzido é de livre reprodução. O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (23/10) pela TV Brasil entrevistou Natalia Viana, uma das criadoras da Pública.

Desde 2002, quando começou a trabalhar na revista Caros Amigos, Natalia se dedica a reportagens baseadas em longas pesquisas, como o movimento cocaleiro na Bolívia, corrupção internacional e assassinatos de lideranças sociais no Brasil. Desenvolveu projetos para as TVs públicas PBS, dos Estados Unidos e BBC, do Reino Unido, e colaborou com os jornais The Guardian, The Independent e Sunday Times, entre outros. É coautora dos livros Movimento, uma Reportagem e Habeas Corpus – Apresente-se o Corpo. Natalia Viana cursou mestrado em Londres e é parceira do WikiLeaks no Brasil.

Mais plataformas, menos conteúdo?

No editorial exibido antes da entrevista, Alberto Dines sublinhou a importância do jornalismo como poder e contrapoder, agente de inovações e fiscal: “O mundo jornalístico está há uma década envolvido em uma discussão sobre o futuro da sua plataforma mais conhecida: o papel impresso. Quanto mais encolhe o negócio de jornais e revistas, menos se fala nas deficiências do seu conteúdo.Quanto mais se louvam as novas tecnologias, os avanços espetaculares das redes sociais, menos se fala na necessidade de devolver ao jornalismo a sua função elementar como serviço público”.

Na abertura do programa, Dines perguntou se um projeto de jornalismo investigativo independente calcado na iniciativa privada ou subsidiado por governos seria viável. Na avaliação de Natalia Viana, esta experiência já ocorreu com sucesso em outros países, mas, no Brasil e na América Latina, as empresas acabam perdendo a independência. “A gente adotou esse modelo, que é um modelo sem fins lucrativos, porque já existe em outros países e está crescendo”, disse.

A jornalista explicou que a agência é uma resposta à crise das publicações impressas, nas quais o jornalismo investigativo tradicionalmente encontra mais espaço. Além de buscar uma nova dinâmica de trabalho, a ideia do grupo que fundou a Pública é inovar também no sistema de financiamento. Desde o início do projeto, discutiu-se como manter uma empresa jornalística sem se tornar dependente dos anunciantes.

O terceiro setor como alavanca

Hoje, duas instituições que têm entre seus preceitos a defesa da democracia – a Ford Foundation e a Open Society Foundations – sustentam a agência Pública. Dines comentou que, nos Estados Unidos, a pequena imprensa está encontrando ainda mais dificuldades do que a mídia tradicional para se manter durante a crise financeira. E, para não fechar as portas, os jornais estão propondo tornarem-se instituições sem fins lucrativos. O Congresso norte-americano já examina um projeto para converter jornais regionais em instituições do terceiro setor.

“Além de produzir jornalismo investigativo, a gente tenta fazer o que não é feito pela imprensa tradicional. É muito simples explicar o que a gente faz: nós não fazemos notícia, não fazemos jornalismo de entretenimento, de celebridades. Não fazemos nada disso. Temos um foco muito grande em direitos humanos e questões sociais, que são coisas que não são cobertas mesmo pela imprensa tradicional”, explicou a Natalia. Um dos compromissos firmados pela agência é o de sempre inovar na forma de produzir e de apresentar o conteúdo. Natalia Viana comentou que a equipe não está concentrada em descobrir qual é o público da agência para não acabar se sentindo na obrigação de agradar a este determinado segmento.

A jornalista contou que, para estar sempre inovando, o site lançou um projeto de microbolsas de financiamento para profissionais independentes no valor de R$ 4 mil, cifra bem acima do normalmente pago pelo mercado. Além de enviar a pauta, o interessado deveria detalhar o modo como a reportagem seria produzida. Em tom de brincadeira, Dines apelidou a iniciativa de “BNDES de fomento ao jornalismo investigativo”. A agência recebeu mais de 70 projetos de profissionais de todo o Brasil.

Conteúdo pulverizado

Diversos veículos de comunicação já republicaram conteúdo produzido pela agência. O Estado de S.Paulo, Carta Capital, Terra e Yahoo são exemplos de empresas de comunicação que se interessaram pelo material produzido pela Pública. “Eles precisam de notícia. Eles precisam de jornalismo. E não têm capacidade de fazer mesmo. O editor de um desses sites grandes falou para mim: ‘Eu acho muito legal o que vocês fazem porque eu não posso deixar um repórter meu por dois dias em uma pauta’. Caiu o meu queixo porque se me derem dois dias para fazer uma pauta eu me mato”, disse a jornalista. No Pública, os repórteres costumam dedicar-se a uma pauta, no mínimo, por uma semana.

Além da imprensa tradicional, pessoas comuns também reproduzem o conteúdo da agência, definida por Natalia Viana como uma “estante de reportagens”: “A gente está com uma série de entrevistas com o Julian Assange, que é o fundador do Wikileaks. Ele fez entrevistas com lideranças do mundo inteiro, inclusive o Rafael Correa, que acabou dando asilo para ele. E a gente abriu e anunciou no nosso site que quem quisesse ser republicador poderia, e demos um prazo para as pessoas se inscreverem. Inscreveram-se tanto a EBC quanto o Estadão. E se inscreveram algumas pessoas que disseram: ‘eu quero passar no meu Facebook’. E nós aceitamos, porque as pessoas também são emissoras hoje em dia”, disse Natalia Viana.

Dines comentou que as grandes reportagens investigativas foram a base do jornalismo desde o século 19 até o início do 21. Para Dines, hoje, atualmente, se gasta “pouca sola de sapato” na apuração das notícias. E o contexto das informações é negligenciado. Natalia Viana comentou que uma das diretoras do site costuma dizer que na internet só há notícias velhas, por isso a agência prioriza a publicação de conteúdo que nenhum outro veículo publicou até então. “Eu mesma, quando era correspondente, às vezes trazia uma notícia nova e o editor dizia ‘ninguém está dando [a informação], será que a gente deve dar?’”, lembrou a jornalista.

Um passo adiante

Dines perguntou a Natalia Viana se a agência, no futuro, teria fôlego para se tornar um veículo formador de opinião. A jornalista contou que a equipe trabalha nesse sentido e que o exemplo norte americano é bem sucedido. Um dos centros de jornalismo investigativo que serviu de modelo para a agência, o ProPublica, tem um orçamento de 10 milhões de dólares por ano e hoje é uma importante força política. Grandes jornais, como o Washington Post e o New York Times, são parceiros da agência norte-americana.

“O caminho para a Pública chegar a isso é fazendo reportagens e jornalismo de qualidade. A única arma que nós temos é o jornalismo. Não temos mais nada. Não temos uma estrutura grande, não temos um nome reconhecido, não temos grandes marcas nos financiando. A única coisa que pode mostrar a que viemos é o nosso jornalismo”, afirmou Natalia. A redação a agência conta com profissionais formados com base em um jornalismo mais tradicional e também repórteres jovens, habituados a trabalhar com as tecnologias digitais. “É a moçada que já pensa em termos de Facebook, então é muito interessante, é uma mistura”, contou a fundadora da Pública.

Na avaliação de Natalia Viana, nos últimos três anos houve um interesse maior da grande imprensa em investir na apuração das pautas. Novas iniciativas, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), surgiram para dar mais respaldo ao setor. “Quem faz jornalismo investigativo é um tipo de gente, um tipo de jornalista. As pessoas acham que fazer jornalismo investigativo é incrível, é aquela pessoa aventureira, que vai cobrir guerra. Não! Na maioria das vezes você vai ficar sentada na frente de pilhas e pilhas de documentos durante dias. E, muitas vezes, é muito chato. Para mim, não é. Eu adoro, mas é um tipo específico de jornalismo.”.

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Jornalismo como serviço público

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa nº 662, exibido em 23/10/2012

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O mundo jornalístico está há uma década envolvido numa discussão sobre o futuro da sua plataforma mais conhecida: o papel impresso. Quanto mais encolhe o negócio de jornais e revistas, menos se fala nas deficiências do seu conteúdo. Quanto mais se louvam as novas tecnologias e os avanços espetaculares das redes sociais, menos se fala na necessidade de devolver ao jornalismo sua função elementar como serviço público, poder e contrapoder, agente de inovações e fiscal.

Na edição de hoje, o Observatório prossegue na missão de identificar iniciativas jornalísticas inovadoras. Uma delas é a agência de jornalismo investigativo Pública, um projeto que só poderia ser plenamente realizado no terceiro setor. Nas mãos da iniciativa privada ou do governo, perderia sua independência e legitimidade.