O Valor encerrou a cobertura da campanha, dois dias antes do segundo turno, com informações surpreendentes sobre os planos da então candidata Dilma Rousseff. Mais que isso: nenhum dos candidatos à Presidência da República havia apresentado programas de forma tão ampla e articulada. O jornal mostrou, entre outros pontos notáveis, uma Dilma Rousseff disposta a elevar o superávit primário para reduzir o endividamento público, a fortalecer a autonomia das agências de regulação e a rever pontos importantes da política externa, como a aproximação com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad.
A candidata defendeu publicamente a redução da dívida pública dos atuais 42% para 30% do Produto Interno Bruto (PIB), mas nunca falou claramente sobre como atingir essa meta. Segundo a reportagem, Dilma Rousseff pretende conter a evolução do gasto corrente e frear a evolução do salário do funcionalismo, contrariando a política de seu antecessor.
A matéria costura várias declarações da ex-ministra, mas os dados mais interessantes são apresentados sem identificação de fonte. Pode-se imaginar quem seja o ‘importante conselheiro da candidata’ mencionado na passagem sobre o ajuste fiscal, mas a promessa de sigilo foi obviamente importante para a elaboração da reportagem. O texto fica longe, no entanto, das disputas entre facções do PT empenhadas em fazer a cabeça da agora presidente eleita.
A conferir
Na reportagem sobre os planos de José Serra, as principais fontes indicadas são o próprio candidato e colaboradores envolvidos na elaboração de seu programa de governo. A matéria menciona um ‘calhamaço com 40 temas e projetos para cada Estado brasileiro’ – um documento não divulgado até o fim da campanha.
Em vários pontos importantes as propostas do ex-governador paulista coincidiam com as da ex-ministra, mas as de Serra eram mais detalhadas em relação à política de comércio e mais distanciadas da orientação seguida a partir de 2003. Os dois candidatos, naturalmente, prometeram trabalhar por uma reforma tributária destinada a aliviar a produção e a exportação, mas nenhum deles avançou nos detalhes.
Com dez páginas dedicadas à eleição (além da manchete de capa), o Valor fez um belo esforço para completar e arredondar sua cobertura de campanha na edição de sexta-feira (26/10), a última antes da votação do segundo turno. Como os candidatos nunca apresentaram seus planos de forma completa, foi preciso, naturalmente, assumir certo risco para produzir as matérias. Restará ao leitor conferir no dia a dia do novo governo a confirmação, ou não, dos principais pontos.
Contas e contos
Eleição à parte, as contas públicas foram o grande tema da política econômica, na última semana de outubro. Os jornais destacaram a inclusão de uma receita especial de R$ 31,9 bilhões no resultado de setembro do Tesouro Nacional. Essa receita originou-se da capitalização da Petrobras. A União recebeu um pagamento de R$ 74,8 bilhões pela cessão onerosa de uma reserva de 5 bilhões de barris e só desembolsou, para o reforço de capital da empresa, R$ 42,9 bilhões. A participação federal na operação foi completada pelo BNDESPar e pelo Fundo Soberano, com recursos fornecidos pelo Tesouro por meio da emissão de títulos. Nas contas mensais do governo central apareceu um superávit de R$ 26,1 bilhões, recorde de todos os tempos. Sem os números da capitalização, o resultado seria um déficit de R$ 5,8 bilhões.
A contabilização dos valores foi normal, segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustín. Técnicos do Banco Central e do setor privado sustentaram opiniões diferentes. A polêmica foi registrada e a cobertura mais ampla e mais detalhada apareceu no Estado de S.Paulo e no Globo. Mais uma vez foi preciso explicar ao leitor os detalhes contábeis da operação. Esse esforço didático já havia sido feito quando o governo preparava sua participação no reforço de capital da Petrobras. Os jornais continuam devendo uma boa história sobre quem montou e como foi planejada a complicada operação destinada a transformar a transferência de recursos ao BNDESPar e ao Fundo Soberano em fonte de receita contábil para o Tesouro.
Na área empresarial, o novo plano de investimento da Vale – US$ 24 bilhões, com 63,8% destinados ao Brasil – forneceu a melhor história. A cobertura mais detalhada e mais clara ficou por conta do Estadão e do Globo (no caso deste, com um bom conjunto de gráficos e tabelas).
Enquadrando os fiscais
O Valor, mais uma vez, soube valorizar uma daquelas histórias importantes e em geral desprezadas, ou simplesmente ignoradas, pela maior parte da imprensa. O Conselho de Estabilidade Financeira, formado por autoridades monetárias de todos os países do Grupo dos 20 (G-20), elaborou um conjunto de princípios para reduzir o peso das agências de classificação de riscos na regulação e também na operação dos mercados financeiros. A matéria saiu na edição de quinta-feira (28/10). Autoridades de vários países falaram horrores das agências; quando estourou a última crise, o assunto entrou na pauta do G-20 e o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou recentemente um estudo sobre o tema.
Só o Valor, no entanto, deu importância à notícia, publicada na primeira página de seu caderno de Finanças. Para avaliar o assunto e o tamanho da briga, basta lembrar alguns detalhes. Todas as grandes crises dos últimos 20 anos – e de modo especial a iniciada em 2007 e agravada em 2008 – mostraram falhas das agências de classificação de risco. Erraram com freqüência na avaliação tanto de países quanto na de bancos e de outras instituições financeiras.
Deixaram de acionar o alarme quando o México estava a um passo de uma crise cambial em 1994, embora o perigo tenha sido apontado um semestre antes pelo Banco de Compensações Internacionais, de Basileia, também conhecido como banco central dos bancos centrais. A crise na Ásia em 1997 mais uma vez comprovou sua ineficiência. Continuaram errando na década seguinte. Deixaram de apontar a bolha de crédito e continuaram dando boas notas a bancos carregados de ativos podres.
Foram criticadas por omissão e erros de julgamento, em várias ocasiões e acusadas de servir a interesses conflitantes. Mas não perderam poder. Continuaram influentes e suas notas continuaram orientando políticas e funcionando como limitações para fundos de investimento.
A última façanha das agências foi rebaixar a dívida soberana de algumas nações européias, depois de bem conhecidos os problemas fiscais da Grécia e de outros países da zona do euro. Não apresentaram novidade sobre as dificuldades daqueles países, mas contribuíram para aumentar seus problemas de financiamento. Falharam na hora de dar o alarme e depois correram para jogar pedra nos governos já em apuros.
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Jornalista