Compare o leitor as quatro primeiras páginas abaixo.
Onde foi parar a notícia sobre a decisão do Banco Central na edição de quinta-feira (16/1) do Valor? Foi parar, como dizia Roberto Marinho, abaixo da dobra:
Com menos destaque do que a chamada sobre a sanção, pelo prefeito de Goiânia, de lei municipal que dá 90 dias para fabricantes de bebida estamparem na embalagem fotos de colisões de carros e a frase “Se beber, não dirija”. Assunto que, no curto, médio e longo prazos, tende a ser concretamente mais importante do que a pugna em torno dos juros e da inflação, por mais relevantes que sejam (o problema é que juros e inflação são muito usados para manipulação – como tanta coisa mais).
Sem agitação
O Valor não deu menos importância ao aumento da taxa básica de juros do que os três “jornalões”. Apenas está fora do jornalismo emocional partidarizado que Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo praticam de modo mais ou menos deslavado, entendendo que, na ausência de oposição competente, cabe-lhes exercer esse papel – o que tem mais do que um grão de verdade, mas não os autoriza a viajar na maionese.
O material hard news do Valor é acompanhado de entrevista de Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central. Não diz nada sobre política partidária, campanha eleitoral, Dilma Rousseff, nem sequer usa a palavra “mercado”. Avaliação serena.
Os leitores querem politizar? São livres para isso. O segundo comentário ao texto principal no site do jornal, enviado por “gilmarpiteri@[DOMINIO].com.br”, reza:
“Este (des)governo não conhece um velho ditado. ‘Nós colhemos aquilo que plantamos’. Plantou em 2012 a Selic em 7,25% (com objetivos eleitoreiros). E agora está colhendo a Selic em 10,5% no ano da eleição. Parabéns, pela incompetência.”
Cabe registrar que as matérias e as análises publicadas nos “jornalões” não dão sabor de manchete à decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central. São os editores do jornal que fazem essas opções. É por essas e outras que alguns críticos da mídia jornalística falam em “pensamento único”.
Mas não é só a mídia que politiza a política econômica. É antes de tudo o poder, como mostrou o leitor do Valor, e o contrapoder (PSDB etc.). Impossível, aliás, dissociar uns e outros: mídia, poderes, contrapoderes.
Chico Lopes
Se o leitor reparar bem, na primeira imagem da capa do Valor, acima da dobra, há uma chamada para entrevista do ex-presidente do BC Chico Lopes (governo FHC). Excelente. Não é a primeira dada a esse jornal, nem é a primeira vez que ele avalia ser exagerado o pessimismo com o país.
Num tom tranquilo, Lopes diz: “A coisa que me incomoda atualmente é o grande pessimismo. As análises estão muito contaminadas pela disputa eleitoral”. Tem toda razão. E não só no noticiário sobre economia. Qualquer assunto que possa vagamente cheirar a argumento de campanha eleitoral é sugado pela mídia jornalística para o vórtice da partidarização.
Voltando a Chico Lopes: antes de imaginar conspirativamente que ele aderiu ao governo, ou qualquer coisa assim, leia a entrevista, leitor desconfiado (ver “Para Lopes, pessimismo do mercado é ‘equívoco’”). Lopes poderia até ter aderido, mas isso não está no texto da entrevista.