Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Capturando erros e omissões do governo

Cesta de três pontos fez a Folha de S.Paulo na semana passada com um registro e uma matéria, ambos sobre Lula no Fórum Social Mundial.

Os três pontos vão por conta da aplicação do princípio do olho em terra de cego. Porque uma coisa e outra, a nota e a reportagem, são exemplos daquilo que qualquer jornal de primeira divisão deveria fazer rotineiramente – e os nossos só fazem muito raramente: marcação cerrada sobre as cascatas dos poderosos e a proteção que recebem. Sem inventar ou apimentar fatos, nem editorializar a informação.

O registro, sob a rubrica ‘Análise’, é do excelente repórter de economia da sucursal de Brasília, Gustavo Patu. Ele teve, como se dizia, a pachorra de checar os números mencionados pelo presidente no discurso de Porto Alegre. Descobriu – e escreveu – que ‘boa parte dos dados citados estava simples e grosseiramente errada’.

Diferentemente do que disse Lula, o déficit do país em transações com o exterior, quando ele assumiu, não era de US$ 32 bilhões, mas de US$ 7,6 bilhões.

Também diferentemente do que disse Lula, o risco-país, quando ele assumiu, não era de 2.400 pontos, mas de 1.446 pontos.

Ainda diferentemente do que disse Lula, o número de empregos formais criados no ano passado não foi de ‘quase 2 milhões’, mas de 1,5 milhão.

Perto desses e outros erros convenientes, Lula ter chamado Néstor Kirchner de Carlos Menem (o óbvio que todo mundo deu) ‘passa como equívoco menor’, cutucou Patu.

As vaias silenciadas

A outra metade da cesta de três pontos quem fez foi a repórter Julia Duailibi, também da sucursal de Brasília da Folha. Ela apurou que, na sua estréia experimental, a TV Brasil, o primeiro canal público brasileiro internacional, ao levar ao ar, editado, o mesmo evento, omitiu a troca de nomes dos presidentes argentinos – e, muito mais grave do que isso, ignorou as vaias que Lula recebeu da turma do PSTU e do PSOL.

A repórter não deixou de registrar que as duas coisas foram divulgadas na internet pela Radiobrás, que integra o comitê gestor da TV Brasil.

Registrou também o caradurismo do diretor de jornalismo da Radiobrás, José Roberto Garcez, ao comentar que a disputa política de que as vaias fizeram parte ‘é uma disputa sem relevância’ fora do Brasil.

Se fossem irrelevantes, as vaias não teriam sido noticiadas pelos principais jornais da América espanhola, e ainda pelo New York Times, Los Angeles Times e o londrino Financial Times.

A matéria da Folha é importante não só pela exclusividade, mas por chamar a atenção para o hiato entre palavras e atos na comunicação oficial ou para-oficial. O governo assegura que a mídia sob o seu controle tem a função de informar com honestidade e não de fazer propaganda do governo.

Uma das maneiras de fazer propaganda é exibir o que serve e esconder o que não serve, parafraseando o que as parabólicas captaram do então ministro Rubens Ricupero (o que lhe custou a Fazenda e abriu caminho para a ascensão de FHC).

Pouco importa que o chamado público-alvo seja brasileiro ou estrangeiro (argentinos, venezuelanos e americanos, no caso da emissão da TV Brasil). Notícia é notícia: o resto é meia gravidez.

Da mesma forma que merecem cacetadas os diários e revistas que fazem ‘dirigismo jornalístico’ contra o governo Lula, acondicionando os fatos de modo a se ajustar às opiniões ‘da casa’, é inaceitável que um órgão público de comunicação, falando para o Brasil ou para o mundo, tanto faz, elimine informações que não sejam aquelas que o presidente e seus homens querem ver propagadas.

Ou deixem de lero-lero os responsáveis pela mídia chapa-branca do Planalto e assumam de vez o seu viés publicitário.

[Texto fechado às 16h43 de 31/1]