Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Alberto Sardenberg: a crítica que enaltece

Interessante o artigo do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, publicado no jornal O Globo, dia 12, quinta-feira, intitulado ‘Política, com seu dinheiro’. Fala sobre a decisão do presidente Lula de não permitir mais a razzia privatista das companhias energéticas estaduais que se verificou durante o ‘Tucanato do Apagão Elétrico’. De repente, o famoso articulista da grande mídia da região Sudeste – que entende tudo de coisas ‘importantes’, como derivativos, mercados futuros, hedges, rolagens, empréstimos-ponte ou fluxos financeiros em geral – se dedicou a estudar detalhadamente os problemas energéticos da CEA – Companhia de Eletricidade do distante estado do Amapá.

De duas, uma: ou o jornalista resolveu descer do pedestal monetarista e está se focando menos em especulações financeiras e mais na economia real, ou foi devidamente contratado por grupos financeiros estrangeiros ávidos em abocanhar a pequena companhia Tucujú. Embora alguns colegas jornalistas ‘maldosos’ tenham levantado a segunda hipótese, realmente não acredito nisso.

Mas, no artigo, o jornalista começa até bem: ‘A CEA é ineficiente, improdutiva e está quebrada – e não é de hoje.’ Parabéns! Mas diz o óbvio e não explica alguns detalhes pertinentes, como o fato de que a situação da empresa piorou justamente durante o período em que o modelo liberal-privatista, que tanto defende, fez de tudo para inviabilizar as estatais e criou um sistema híbrido, inconsistente e caro que até hoje vem prejudicando o consumidor nacional, principalmente das regiões mais distantes, como o Amapá. Mas, por birra ideológica e tentando cutucar o senador José Sarney (PMDB-AP), Sardenberg pergunta: ‘Como a CEA conseguiu continuar funcionando tanto tempo assim? (…) A resposta tem um nome: o senador José Sarney.’ E aí entra uma coisa curiosa: ao contrário do que pretendia o jornalista, a sua pergunta/resposta, para quem tem alguma vergonha na cara e sonha com um Estado verdadeiramente republicano, foi um tiro pela culatra. Ao invés de denegrir Sarney e Lula, pelo contrário, acabou por reconhecer neles verdadeiros estadistas preocupados com o bem-estar da população. Afinal, foram eleitos para isso. Sarney é um representante do Estado do Amapá no Senado, não das grandes holdings que estão de olho na CEA e que são gratuitamente defendidas pelo jornalista.

Questões-chave

Aparentemente preocupado com ‘o contribuinte nacional’, Sardenberg ignora algumas questões importantes que envolvem o ‘Pacto Federativo’ e a função de um senador:

1) Sarney nunca foi governador do Amapá. A CEA pertence ao governo do estado. Independentemente do governador de plantão e de suas trapalhadas como senador, Sarney foi o responsável pela criação de grande parte da estrutura energética do estado;

2) Parece que Sardenberg não sabe, mas na região Norte há sistemas isolados que demandam um recurso enorme da CCC (Conta de Consumo de Combustível usada para reembolsar os custos com os poluentes combustíveis fósseis). O Amapá é um dos últimos estados que estão nesta condição, isolado do sistema integrado de hidrelétricas nacional. E o presidente Lula tem consciência de que essa situação não poderia continuar numa região tão frágil estrategicamente.

3) Eletricidade é um direito básico de todo brasileiro. Nas localidades distantes e de fronteira, o acesso à energia não é apenas um direito da comunidade local de ter vida civilizada, mas, principalmente, uma questão de soberania de toda a Federação brasileira sobre a região. Lula sabe que, no passado, a União gastou mil vezes mais recursos com incentivos fiscais para setores do Centro-Sul (automotivo, informático e financeiro) do que será necessário para solucionar o problema da pequenina CEA.

4) Por último, o Amapá é um estado que sempre se sacrificou pela Federação brasileira. Lutou bravamente para fazer parte dela e passou anos ajudando a balança comercial nacional com a exportação de manganês. Hoje, quando procura alternativas econômicas mais sustentáveis, é obrigado a manter mais de 90% de seu território congelado por parques nacionais (e estaduais) de preservação ambiental ou por reservas indígenas. Esta situação não foi imposta pela sociedade amapaense, mas pela consciência ecológica de toda a Federação brasileira. Por que a Federação não pode assumir suas responsabilidades com o povo do Amapá?

Função social das estatais

Por fim, uma reflexão: os principais arautos do neoliberalismo, os economistas Hayeck e Friedman, da ‘Escola de Chicago’, pregavam que a atividade política atrapalha o desempenho da economia. Preferiam, como Sardenberg, a ação caótica e destruidora dos chamados ‘mercados’. Mas a opinião predominante dos acadêmicos do simpósio sobre ‘O Neoliberalismo no Brasil’, da 48ª Reunião Anual da SBPC (96), foi: ‘quando tudo se subordina ao mercado, a sociedade passa a servir à economia, o que põe por terra qualquer veleidade civilizatória.’

Durante muito tempo, o neoliberalismo, apoiado no poder da mídia e financiado pelos grandes oligopólios transnacionais, forjou um ressentimento genérico negativo quanto a tudo o que é estatal ou público. Na mídia, enfatizam-se custos e dívidas da empresa e compara-se seu desempenho ao de congêneres privadas, sempre tidas como superiores. Omite-se, no entanto, o que o povo precisa: a função social das estatais, como defende o senador Sarney. Portanto, receber críticas de um Sardenberg é uma verdadeira apologia para qualquer pessoa que se preocupe com o bem-estar da população.

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Historiador, cientista político e assessor parlamentar em Brasília