Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Chaparro

‘O XIS DA QUESTÃO – Escreveu Helen Keller: Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que vêem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. É o primeiro ponto de um belo roteiro para despertar e sacudir a criatividade jornalística, anestesiada e deseducada pela cultura racional dos manuais de redação.

1. A vida, nos detalhes

A minha formação jornalística se iniciou, sem que o soubesse, quando, cinqüenta anos atrás, no idealismo da militância operária em que andei envolvido, agucei a sensibilidade para a captação dos pequenos fatos do cotidiano, nos ambientes onde vivia e trabalhava. Saber ‘olhar e ouvir’ era a base do nosso trabalho de reflexão, para a ação. Depois, nas discussões, havia um método que orientava a construção de conexões entre as ocorrências observadas pelo grupo. Tratava-se de um processo extraordinariamente lúcido de elaborar sentidos e significações, na leitura da vida real. E que tornava possível descobrir como, nos fatos corriqueiros do dia-a-dia, se manifestavam as mais complicadas realidades dos trabalhadores – o que dava rumo às lutas por transformações.

Graças a essa educação militante, aprendi a observar detalhes, e a lhes atribuir significados, entendendo-os como manifestações de realidades ocultas.

Isso me ajudou a ser repórter obsessivamente observador. E a cedo descobrir que, sem a riqueza descritiva dos detalhes, não há como dar vida, nem beleza, à narração de ações e emoções humanas, nossa arte. Porque a vida se revela nos detalhes. Quem não os capta deixa escapar a vida.

Talvez esteja aí, na renúncia aos detalhes, ou na incapacidade de entendê-los, o mal maior da reportagem, no jornalismo brasileiro de hoje. E eis aí o assunto que proponho ao debate.

Para ajudar à discussão, aproveito, em trechos, um texto maravilhoso de Helen Keller, que alguém me enviou dias atrás. Trata-se de um pequeno mas precioso ensaio publicado há 70 anos, no Reader’s Digest (Seleções).

Sem poder enxergar nem ouvir o mundo, Helen Keller, como todos sabemos, inventou formas de o ver e sentir, e de com o mundo dialogar intensamente, para o aperfeiçoar. Cega e surda desde bebê, ela viveu 88 anos (1880-1968). Aprendeu a ler, a escrever e a falar, diplomou-se com louvor, em 1904, pelo Radcliffe College (Cambridge) e tornou-se conferencista e escritora de referência, autora dos livros A história da minha vida (1903) e O diário de Helen Keller (1938).

Vale a pena aprender com ela.

2. Modos de cegueira

O ensaio publicado na Seleções começa assim:

‘Várias vezes pensei que seria uma benção se todo ser humano, de repente, ficasse cego e surdo por alguns dias, no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som.’

‘De vez em quando’ – continua – ‘testo meus amigos que enxergam, para descobrir o que eles vêem. Há pouco tempo, perguntei a uma amiga, que voltava de um longo passeio pelo bosque, o que ela observara. ‘Nada de especial’, foi a resposta.’

‘Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tato encontro centenas de objetos que me interessam. Sinto a delicada simetria de uma folha. Passo as mãos pela casca lisa de uma bétula ou pelo tronco áspero de um pinheiro. Na primavera, toco os galhos das árvores na esperança de encontrar um botão, o primeiro sinal da natureza despertando após o sono do inverno. Por vezes, quando tenho muita sorte, pouso suavemente a mão numa arvorezinha e sinto o palpitar feliz de um pássaro cantando.’

Mais adiante, Helen Keller desenvolve o exercício de imaginar o que gostaria de ver, se pudesse enxergar ao menos por três dias.

‘No primeiro dia, gostaria de ver as pessoas. (…) Não sei o que olhar dentro do coração de um amigo pelas ‘janelas da alma’, os olhos. Só consigo ‘ver’ as linhas de um rosto por meio das pontas dos dedos. Posso perceber o riso, a tristeza e muitas outras emoções. Conheço meus amigos pelo que toco em seus rostos.’

‘Como deve ser mais fácil e muito mais satisfatório para você, que pode ver, perceber num instante as qualidades essenciais de outra pessoa ao observar as sutilezas de sua expressão, o tremor de um músculo, a agitação das mãos.’

E Helen nos provoca:

‘(…) será que já lhes ocorreu usar a visão para perscrutar a natureza íntima de um amigo? Será que a maioria de vocês que enxergam não se limita a ver por alto as feições externas de uma fisionomia e se dar por satisfeita?’

E agora, pergunto eu: por onde andam os olhos e a sensibilidade dos repórteres de hoje (naturalmente, com as devidas, porém raras, exceções), que não conseguem captar dos seus entrevistados nada além do nome e da idade? Nem com a fala eles se preocupam, já que para isso existe o gravador. E assim se perdem, para a narração, a beleza e a significância das entonações, das ênfases, das expressões, do ritmo, do estilo, da articulação entre palavras e gestual, dos enlaces entre a pessoa e o ambiente.

3. Acordar a criatividade

Nas fantasias de Helen Keller, o segundo dia de visão seria dedicado à observação da natureza – em especial o milagre da noite se transformando em dia, depois de, na véspera, ter rezado por um pôr-do-sol colorido. E visitaria museus, para ‘avaliar o mérito das linhas, da composição, da forma e da cor’. Iria também ao teatro, ao cinema, na esperança de ver ‘a figura fascinante de Hamlet’ ou ‘o tempestuoso Falstaff’, em cenários elizabetanos. E para captar em plenitude a graça de uma bailarina, que a cegueira só vagamente lhe permitia imaginar.

O terceiro dia seria passado no mundo do trabalho e dos negócios.

‘A cidade seria o meu destino. Primeiro, numa esquina movimentada, apenas olhando para as pessoas, tentando, por sua aparência, entender algo sobre o seu dia-a-dia. (…) Tenho a certeza de que o colorido dos vestidos das mulheres, movendo-se na multidão, deve ser uma cena espetacular. (…).’

E termina assim a mensagem de Helen Keller:

‘Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que vêem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica aos outros sentidos. Ouçam a música das vozes, o canto dos pássaros, os possantes acordes de uma orquestra, como se amanhã fossem ficar surdos. Toquem cada objeto como se amanhã perdessem o tato. Sintam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se amanhã não sentissem aromas nem gostos. Usem ao máximo todos os sentidos; gozem de todas as facetas do prazer e da beleza que o mundo lhes revela pelos vários meios de contato fornecidos pela natureza.(…).’

Temos aí um belo roteiro para despertar e sacudir a criatividade jornalística, que a cultura dos manuais de redação anestesiou e deseducou. Ah!, como o hábito desses exercícios faria bem aos que têm a responsabilidade da narração jornalística, não acham?’



FSP PREMIADA
Folha de S. Paulo

‘Folha ganha prêmio internacional por páginas sobre a Guerra do Iraque’, copyright Folha de S. Paulo, 4/03/04

‘Duas páginas com noticiário sobre a Guerra do Iraque publicadas em abril do ano passado deram à Folha um dos prêmios da 25ª edição do Best Newspaper Design. Patrocinada pela SND (Society for News Design), entidade internacional que congrega profissionais de desenho gráfico de jornais, a premiação é considerada a mais importante do mundo no setor.

A Folha ganhou na categoria ‘Breaking news topic design’, que contempla a apresentação gráfica de noticiário ‘quente’, ou seja, a criação jornalística a partir de eventos em andamento. Foi o caso da cobertura da tomada de Bagdá pelas tropas norte-americanas realizada por correspondentes internacionais que estavam na cidade.

Os jornais ‘Correio Braziliense’, ‘Tribuna da Bahia’ e ‘O Globo’ também receberam prêmios neste ano.

Os vencedores foram escolhidos dentre mais de 13 mil trabalhos apresentados por 384 jornais de 37 países.

‘The Herald’ (Escócia), ‘The Independent on Sunday’ (Inglaterra), ‘Puls Biznesu’ (Polônia), ‘Récord’ (México) e ‘Upsala Nya Tidming’ (Suécia) foram premiados pela entidade como os jornais mais bem desenhados do mundo.’



OG PREMIADO
O Globo

‘Criação gráfica dá prêmios ao GLOBO’, copyright O Globo, 3/03/04

‘O GLOBO recebeu quatro prêmios na 25 edição do Best of Newspaper Design/2004 (o melhor do design de jornais), conforme anúncio da Society for News Design (SND). Os trabalhos premiados pela excelência do conteúdo gráfico que o jornal leva a seus leitores foram:

– ‘Pare’, capa do Jornal da Família, com ilustração de Cláudio Duarte e diagramação de Cristina Flegner;

– as caricaturas de Cláudio Duarte para um caderno especial sobre a Guerra do Iraque, mostrando o líder iraquiano, Saddam Hussein, e o presidente dos EUA, George W. Bush;

– um portfólio de páginas de Renata Maneschy nos cadernos especiais sobre a guerra do Iraque;

– e a capa do caderno especial ‘Exclusão digital’, numa concepção de Léo Tavejnhansky e trabalho de edição de Flávia Oliveira.

O GLOBO soma 36 prêmios da SND desde que começou a participar do concurso da entidade, em 1996. Entre os prêmios estão duas medalhas de ouro e três de prata. No Brasil, neste mesmo período e na mesma área de design, o GLOBO recebeu quatro prêmios Esso, sendo que dois este ano: o de Criação Gráfica e o de Primeira Página.

Concorreram aos prêmios da SND 384 jornais de 37 países, com mais de 13 mil inscrições. No Brasil, receberam um prêmio cada em 2004 a ‘Folha de S.Paulo’, o ‘Correio Braziliense’ e a ‘Tribuna da Bahia’.

Qualificação do trabalho é a meta

Foram considerados os jornais mais bem desenhados do mundo o escocês ‘The Herald’, de Glasgow; o londrino ‘The Independent’; o ‘Puls Biznesu’, jornal polonês de economia; o mexicano de esportes ‘Récord’, da Cidade do México; e o ‘Upsala Nya Tidning’, de Upsala, Suécia.

A Society for News Design (SND) é uma associação internacional voltada para a qualificação de designers, infografistas, ilustradores, fotógrafos e editores que atuam em jornais e na internet.

Fundada em 1978, quando 26 profissionais se uniram com o objetivo de criar uma associação de design de jornais, a SND promove oficinas e outros fóruns de debate, com destaque para o encontro anual que, em 2004, vai acontecer em San Jose (Califórnia). Já no primeiro ano de fundação, a entidade chegou a ter 800 associados – hoje são 2.600 em 53 países. Um dos maiores eventos da SND é o concurso The Best of Newspaper Design, competição anual que elege os melhores jornais e trabalhos gráficos publicados em todo o mundo.’



REPORTAGENS PREMIADAS
O Globo

‘Editores do Globo escolhem melhores reportagens de 2003’, copyright O Globo, 5/03/04

‘Os melhores do ano

Principal

O desvio de armas e munição dos quartéis das Forças Armadas para o tráfico no Rio foi eleito pelos editores do GLOBO como o melhor trabalho do ano de 2003, entre os 12 melhores trabalhos escolhidos ao longo do ano. A partir da consulta nos arquivos e em processos no Ministério Público Militar, o repórter Antônio Werneck mostrou o envolvimento direto de militares nos desvios de armas e munição dos quartéis. A série de reportagens também constatou que armas, munição e granadas das Forças Armadas argentina foram desviadas e contrabandeadas para os morros do Rio. A série recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo de 2003.

Suplementos

Na categoria Suplementos, ficaram empatados o Caderno Ela e o Megazine que receberam, ao longo do ano de 2003, três prêmios nas votações dos editores. O Jornal da Família foi escolhido duas vezes. Mas cada um dos suplementos do GLOBO acabou sendo premiado pelo menos uma vez como melhor do mês: foi o caso do Carro & Etc, Morar Bem, Informática & Etc e Globinho. Os temas variaram: da primeira rabina do Brasil; das meninas com Aids à brinquedos perigosos.

Arte e projeto gráfico

‘A Guerra de Bush’ rendeu a diagramadora Renata Maneschy o prêmio de melhor projeto gráfico do ano, que trouxe o uso de fotos grandes e uma tipografia de impacto. As cores preta e vermelha foram usadas para remeter o leitor aos ambientes sombrios e sangrentos da guerra. O trabalho também recebeu o Prêmio Esso de Criação Gráfica em Jornal de 2003.

A equipe da Editoria Internacional, com José Meirelles Passos e correspondentes, foi premiada em abril pela totalidade da cobertura da guerra.

Fotografia

A foto do ano foi o flagrante de um tiroteio que levou terror à Avenida Brasil. O fotógrafo Fernando Quevedo acompanhou os momentos de tensão e medo que viveram os passageiros de um ônibus, obrigados a se protegerem na mureta divisória das pistas depois que traficantes fecharam aquela via, assassinaram um militar, metralharam e atearam fogo em outro coletivo.

Os destaques mês a mês

Principal

Além do desvio de armas e munição dos quartéis para o tráfico, foram escolhidas ao longo do ano na categoria Principal, pelos editores do GLOBO, várias reportagens exclusivas publicadas no jornal, como os cadernos especiais do Forum Social em Porto Alegre e do Forum Econômico Mundial. ‘Multas anuladas deram prejuízo de R$ 737 milhões’ de Alan Gripp e Dimmi Amora, fez parte da série do escândalo do Propinoduto, que também ganhou o Prêmio Embratel na categoria Jornal e Revista de 2003. Outras reportagens escolhidas foram ‘Terror e execução na Av. Brasil’, de Marcelo Dutra; ‘Secretário sob suspeita’, de Dimmi Amora. A série ‘Nos porões do futebol’, de Fellipe Awi e Lúcio de Castro também ganhou o Prêmio Embratel na categoria Reportagem Esportiva e o Prêmio Ibero-Americano de Comunicação pelos Direitos da Infância e da Adolescência, na categoria Imprensa.

Lydia Medeiros fez a revelação histórica de que a Constituinte-Cidadã de 1988 foi promulgada sem que alguns artigos tivessem sido votados. Venerando Martins revelou que a família de Elvira Pagã mantinha em segredo sua morte por três meses. Outras reportagens exclusivas foram o caderno ‘Brasil Pré-Histórico’ produzido por Ana Lúcia Azevedo; a série ‘Terceirização que mata’, de Cássia Almeida; o caderno ‘A Cor do Brasil’, editado por Flávia Oliveira e Míriam Leitão e ‘Parmalat dá novo calote no Rio’, de Luciana Casemiro.

Fotografia

A fila de candidatos à vaga de gari da Comlurb desconcerta o PM; o dramaturgo Bosco Brasil, autor de ‘Novas diretrizes em tempos de paz’, numa fusão com o Cristo Redentor; banhista agredido depois de ser assaltado na Praia do Leblon. Algumas das fotos do ano no GLOBO, premiadas pelos editores.

Arte e projeto gráfico

Capas escolhidas pelos editores do GLOBO mostram a linguagem gráfica diversificada do jornal. Foram premiados ainda temas diversos como o Pan, as Olimpíadas de 2012, o roteiro do melhores cafés do mundo, o primeiro ano de Lula e Madame Bresson.

Suplementos

A rotina marcada por violência, drogas e ócio nas instituições para adolescentes infratores, revelada em relatos de ex-internos, foi o tema da reportagem escolhida pelos editores do GLOBO como a melhor publicada nos Suplementos no ano passado. O repórter Bruno Porto, da revista Megazine, entrevistou diversos meninos e meninas em conflito com a lei. Um deles contou que estudar não era obrigatório e que levou surras numa das unidades.

Como é feita a votação

Todo mês, os editores do GLOBO se reúnem para escolher os melhores trabalhos publicados pelo jornal neste período, nas seguintes categorias: Principal (compreendendo as editorias O País, Rio, Economia, Internacional, Esportes e Segundo Caderno); Suplementos (com os cadernos e revistas semanais); Artes e Infográficos (premiando os melhores infográficos e as páginas mais bem diagramadas); e Fotografia. Os editores indicam as melhores reportagens de suas áreas e as submetem aos demais editores. A escolha é feita em votação aberta. No ano seguinte, as reportagens escolhidas a cada mês concorrem ao prêmio de melhor do ano. A eleição dos melhores trabalhos do ano também é feita pelos editores do jornal.’