‘O caso de Isabella Nardoni, morta em março supostamente por seu pai e sua madrasta, mereceu um mês de cobertura intensiva, às vezes histericamente compulsiva, dos veículos de comunicação de massa.
Cerca de cem leitores se dirigiram ao ombudsman para comentar a tragédia e opinar sobre como o jornal e seus concorrentes a tratavam. O pai da menina é consultor jurídico, a madrasta estudante de direito. O crime ocorreu num bairro de classe média de São Paulo.
Na semana passada, houve outro assassinato horrendo de crianças, Igor e João, seguido de esquartejamento, em que os suspeitos são igualmente o pai e a madrasta dos mortos. O pai dos garotos é vigia, a madrasta, doméstica. O drama se desenrolou em cidade da periferia de São Paulo. Quatro mensagens chegaram ao jornal sobre ele.
Caio N. de Toledo, leitor atento e crítico deste jornal, com ironia fina e inteligente, ligou as duas notícias e antecipou que o procedimento jornalístico seria muito desigual para Igor e João: ‘Cabe saber agora por quantas semanas os noticiários dos jornais e da TV se ocuparão com o caso’.
Toledo tinha razão. De Igor e João a mídia quase não se ocupou, ao contrário de Isabella. Mas também não se registrou nada que nem de longe lembrasse a comoção pública que a queda de Isabella provocou.
É a mídia que determina o grau de curiosidade da audiência por determinados assuntos e não outros ou é o interesse dela que coloca em ordem a prioridade dos meios de comunicação? A pergunta é tão difícil de responder quanto a que tenta descobrir quem vem primeiro: o ovo ou a galinha.
Jornalismo não é ciência, mas tem suas leis. Uma é que o grau de importância do fato está diretamente relacionado com algumas características, entre elas a proximidade: quanto mais perto, mais interesse. Um terremoto em São Paulo é mais importante que outro das mesmas proporções na Índia.
Empatia entre leitor e personagem da notícia é outro determinante de relevância: quanto mais identificação entre ambos, mais notável ela é; há mais interesse pelos parecidos do que pelos diferentes.
Igor e João tinham tanto direito à vida quanto Isabella. Seus ‘pequenos assassinatos’ são humanamente do mesmo tamanho. Mas mídia e público os tratam de modo diferente.
Mesmo assim, é possível fazer bom jornalismo. A Folha o fez só um pouco, ao levantar aspectos sobre o que é o Conselho Tutelar, que mandou os meninos de volta aos seus algozes. Poderia ter feito muito mais: promover com muito maior intensidade o debate sobre essa instituição pública.
Como poderia ter explorado os aspectos psicológicos do crime. Ou escalado repórter de texto primoroso para atrair a atenção do leitor, não pela proximidade do fato nem pela empatia com os personagens, mas pela enorme compaixão que a notícia pode despertar. Infelizmente, ficou aquém do que podia e devia.’
***
‘Internet e eleições’, copyright Folha de S. Paulo, 14/9//08.
‘Aconteceu nesta semana em São Paulo o segundo seminário internacional sobre jornalismo on-line chamado Media On. Um dos temas foi a internet na eleição presidencial americana deste ano.
O pleito de 2008 está para a internet como o de 1960 esteve para a TV: é o primeiro em que o meio de comunicação, que já existia antes, assume papel realmente de proa.
A internet está tendo nesta campanha mais relevância como instrumento de ação política do que como meio de comunicação. Barack Obama arrecadou a maior parte de sua receita com doações feitas por meio da rede (75% dos seus US$ 372 milhões até 31 de julho chegaram assim) e a utiliza como eficiente forma de arregimentação e organização de correligionários.
Mas o público também vem se valendo do jornalismo on-line para se informar sobre as eleições mais do que jamais no passado. Pesquisa do Pew Research Center, citada pelo jornalista Francisco Mendez, revela que 24% dos americanos dizem usar a internet como principal meio para obter notícias sobre a campanha.
Ainda é menos que a TV (32%) e os jornais impressos (31%), mas é muito superior às porcentagens registradas em 2004 (13%) e 2000 (9%). Mendez também registrou que alguns blogs têm pautado a grande imprensa com informações obtidas às vezes de maneira eticamente questionável (como a blogueira que se infiltrou em reunião de voluntários de Obama, fingindo ser uma delas, e divulgou comentário indiscreto que ouviu do candidato).
Alguns sites como www.realclearpolitics.com e www.politico.com viraram pontos de referência obrigatórios de todos os interessados pela campanha, graças ao trabalho estritamente apartidário e metodologicamente criterioso que vêm realizando.
Muitos blogs, no entanto, descambaram para o mais arraigado sectarismo ideológico e partidário, sem nenhum compromisso com os fatos.
O que será interessante observar é o efeito que essa crescente influência da internet terá sobre a maneira como os cidadãos se relacionam com as instituições públicas e entre si na sociedade.
Há estudos ainda não conclusivos que indicam associação positiva entre atitude adversa em relação aos meios de comunicação tradicionais e polarização política. Ou seja: as pessoas que deixam de confiar em jornais, revistas, emissoras de rádio e TV tendem a se tornar mais agressivas e radicais na defesa de suas idéias e no ataque às idéias de seus adversários.
Se esses indícios se confirmarem, que tipo de ambiente político sobrevirá?’
***
‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 14/9/08.
‘PARA LER
‘Violência e Repressão’, de Percival de Souza, Marcos Faerman e Fernando Portela, Símbolo, 1978 (a partir de R$ 12 em sites de livros usados) – três grandes repórteres escrevem sobre casos de violência e mostram como atrair o interesse do leitor
‘A Violência no Coração da Cidade’, de Paulo Cesar Endo, FAPESP e Escuta, 2005 (a partir de R$ 37,15) – um excelente estudo psicanalítico sobre as violências na cidade de São Paulo
PARA VER
‘Capote’, dirigido por Bennet Miller, com Philip Seymour Hoffman, 2005 (a partir de R$ 19,99) – mostra como Truman Capote fez de um crime hediondo nos cafundós de Kansas o motivo de interesse de milhares de leitores da revista ‘The New Yorker’ e depois de milhões por meio do livro ‘A Sangue Frio’
‘Pequenos Assassinatos’, dirigido por Alan Arkin, com Elliot Gould e Donald Sutherland, 1971 – brilhante comédia negra sobre como a banalização da violência em grandes ambientes urbanos torna as pessoas indiferentes a ela
ONDE A FOLHA FOI BEM
Torcidas
no DNA Paulistano Jornal decide que na última edição da série, em 28 de setembro, publicará os percentuais de torcedores de todas as equipes de futebol (inclusive o Santos) em todas as regiões da cidade
Crise na Bolívia
Com duas enviadas especiais, a cobertura dos problemas no país vizinho vem sendo de bom nível
E ONDE FOI MAL
Satiagraha
Reportagem na quarta usa argumentos de advogados e juristas anônimos que citam tese e jurisprudência da Suprema Corte dos EUA para levantar possibilidade de anulação da Operação Satiagraha no Brasil
Paraolimpíada
Jornal subestima em espaço e destaque a importância do evento, que se aproxima muito mais dos ideais olímpicos do que a comercializada competição oficial; leitor perde muitas histórias extraordinárias
ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA
1.Eleições municipais
2. Paraolimpíada
3.Grampos telefônicos’