Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta aberta a um juiz

Sei que não é normal defender-se de decisão judicial por meio da imprensa, mas o ritual frio e mecânico das argumentações judiciais deixa o povo, em geral, sem saber o que está ocorrendo. Assim, tomo a liberdade de me dirigir diretamente a Vossa Excelência, enquanto os advogados fazem a parte deles com o recurso apropriado, uma vez que não me é permitido fazê-lo.


Na vossa curta decisão, foi determinado que nos abstivéssemos ‘de emitir opiniões pessoais pelas quais atribuam àquele a prática de crime, sem que haja decisão judicial com trânsito em julgado que confirme a acusação’. Ora, mas Vossa Excelência sequer demonstrou onde foi que este jornalista emitiu qualquer opinião atribuindo ao deputado prática de crime. Fui censurado pela vossa decisão sem saber exatamente qual o meu delito.


Por isso acredito que Vossa Excelência não se deu ao trabalho de ler meus textos. Eu ficaria orgulhoso se o tivesse feito, pois tão digno leitor honra qualquer jornalista e ainda estou certo de que constataria que jamais desabonei a honra dele. A única coisa que faço é noticiar o que fazem o Ministério Público e o Judiciário, e o faço porque os jornais e as TVs, que deveriam publicar tais notícias, têm como cliente a Assembléia Legislativa, que paga grandes somas por matérias publicitárias – por vezes ilegais e imorais.


Eu pergunto ainda por que o deputado autor da ação não incluiu no rol dos supostos desabonadores da sua conduta o Jornal do Brasil, que recentemente publicou matéria por três dias seguidos chamando-o de ‘Maluf de Mato Grosso’? Será que a coragem dele só lhe permite processar jornalistas deste estado?


Respostas devem ser dadas à sociedade


E mais, senhor juiz: nunca ataquei a vida pessoal ou a intimidade do deputado. A crítica, se houve, foi em razão do cargo que ocupa. Por isso repriso aqui as palavras do ministro Celso de Mello em recente julgamento:




‘É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade.’


Diz ainda o ministro que ‘o Estado – inclusive o Judiciário – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social. Essa é a garantia básica da liberdade de expressão’.


Então, doutor Pedro Sakamoto, qual a pretensão da vossa decisão? Proteger um deputado que tem mais de cem processos onde é acusado pelo Ministério Público de desviar dinheiro público, ou calar um jornalista que nada mais faz do que exercer a obrigação de profissional e cidadão que tem responsabilidade de divulgar as informações que recebe? Se fosse o caso de um criminoso comum, havendo cem inquéritos contra ele, não seriam indícios suficientes para que fosse preso e investigado? A imprensa não poderia falar sobre o caso? Por que este privilégio de um político poderoso?


As respostas, doutor Pedro Sakamoto, devem ser dadas à sociedade.


Atenciosas saudações, Ademar Adams

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Jornalista e diretor da ONG Moral, Cuiabá, MT