Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Caso El Chapo: a tênue divisória entre jornalismo e propaganda

A imprensa deveria ou não publicar a entrevista e o vídeo de Joaquin Guzmán Loera, o chefe do cartel do narcotráfico em Sinaloa, México? A resposta não é simples, porque se assim fosse, não valeria a pena abordá-la aqui. A complexidade da resposta é o combustível para a polêmica surgida depois que a revista Rolling Stone publicou uma reportagem escrita pelo ator Sean Penn, El Chaposemanas após o narcotraficante, também conhecido como  El Chapo (Anão), ter sido recapturado pela marinha mexicana, após uma fuga espetacular de uma penitenciária de segurança máxima também no México. A polêmica mostra também como está cada dia mais complicado avaliar os componentes éticos de textos publicados pela imprensa.

O ator Sean Penn, uma personalidade controvertida no mundo do cinema em Hollywood, procurou a direção da revista Rolling Stone em meados do ano passado com uma proposta de entrevista com El Chapo. Além da entrevista, o ator teria interesse em fazer um filme sobre o narcotraficante mexicano. O jornal The New York Times detalhou as negociações entre Penn e Chapo numa reportagem publicada em 10 de janeiro. Mais para o fim do ano, Sean Penn se encontrou com Guzmán em Sinaloa, numa conversa assistida também pela badalada atriz Kate del Castillo, intérprete de novelas na TV mexicana.

Foto Rolling Stone

Ainda não se sabe por que, mas o acordo para o filme terminou não acontecendo. No entanto, o conteúdo da conversa entre o ator e o narcotraficante acabou gerando uma reportagem de 10 mil palavras, publicada na versão impressa e no site da Rolling Stone, no dia 11 de janeiro, em meio a um intenso bate boca globalizado.

Argumentos pró e contra

Os argumentos se dividem em pró e contra a publicação do material. Comecemos pela condenação ao protagonismo de Sean Penn e pela ousadia da RollingStone. A argumentação é de que a reportagem e o vídeo contribuem para glorificar a figura de Guzmán e com isto debilitar o combate aos cartéis do narcotráfico. O empenho em exorcizar a imagem de El Chapo levou o jornal espanhol El País a publicar o texto com o seguinte título : “Maldito sejas, Sean Penn”. Em geral a imprensa mundial seguiu a linha da crítica à Rolling Stone e à atitude de Sean Penn, considerada oportunista.

Já os defensores da publicação da reportagem e do vídeo alegam que Joaquin Guzmán se tornou uma figura pública graças justamente à imprensa e aos governos por conta da ampla cobertura dada à repressão ao cartel de Sinaloa. Como figura pública ele inevitavelmente atraiu também a curiosidade pública criando as condições para que a imprensa passasse a vasculhar sua vida privada. O decano da escola de jornalismo da Universidade de Columbia, Steve Coll, disse que “obter uma entrevista exclusiva, mesmo com um criminoso procurado pela polícia, é um ato legítimo de jornalismo, não importa quem seja o repórter”.

Outro argumento levantado pelos que defendem a publicação da matéria “El Chapo habla”, é o de que Guzmán não é o primeiro chefe de um cartel do narcotráfico ou líder de organização terrorista a atrair a curiosidade da imprensa. O também narcotraficante Pablo Escobar, colombiano, morto em dezembro de 1993, até hoje serve de personagem central para reportagens, seriados na TV e documentários explorando sua imagem pública e vida privada. Tudo isto sem grandes questionamentos éticos porque se trata de empreendimentos para ganhar dinheiro. Sean Penn evidentemente também estava interessado em ganhar dinheiro às custas de Guzmán e a Rolling Stone conseguiu aumentar sua tiragem em quase 50%.

O caso El Chapo é mais um a engrossar a lista de problemas que a imprensa vem enfrentando para delimitar o espaço jornalístico numa arena informativa onde fica cada vez mais difícil distinguir notícia pura do marketing político e das estratégias de promoção pessoal ou institucional, conhecidas pela expressão inglesa advocacy.

Chris Eliot, colunista do jornal britânico The Guardian, admitiu num texto que cada vez que o Estado Islâmico divulga um vídeo na internet, “os jornalistas são dramaticamente relembrados do fato de que estão sendo convidados para uma dança macabra”. O artigo mostra as enormes dificuldades dos editores em separar os fatos da mera propaganda nos vídeos divulgados pelo grupo terrorista. O The Guardian, pressionado por leitores, resolveu levar a discussão para todos os membros de sua redação na tentativa de criar normas editoriais capazes de facilitar a tomada de decisões em situações onde é difícil diferenciar notícia e marketing político.

No México, o La Jornada, publicou um editorial em que lamenta a notoriedade alcançada pela reportagem da Rolling Stone num país onde dezenas de jornalistas já foram mortos por narcotraficantes, mas afirma que “é necessário recordar que a moralização dos assuntos relacionados ao narcotrafico deveria começar pelas próprias instituições de segurança ” no México.  O editorial do La Jornada diz que o carro onde estava Sean Penn passou sem problemas por várias barreiras policiais em Sinaloa, sem ser parado.

Casos como o de El Chapo, ou os vídeos do Estado Islâmico, situam-se nesta zona cinzenta entre o jornalismo e a propaganda, obrigando os profissionais a analisarem caso a caso. Isto implica análises e investigações cada vez mais complexas que levam a um segundo dilema: retardar a publicação de uma notícia até uma checagem adequada, perdendo para concorrentes menos preocupados com a ética e exatidão, ou ceder às exigências da guerra por audiência e publicar pensando apenas nos indicadores de audiência?