A crise do ministro Antônio Palocci ofuscou o lançamento do programa Brasil sem Miséria, destinado oficialmente a tirar da pobreza extrema 16,2 milhões de brasileiros. O combate à miséria foi anunciado há meses pela presidente Dilma Rousseff como o objetivo mais ambicioso de seu governo. Seria mais que uma continuação do Bolsa Família e de outros programas sociais. O grande salto seria a criação de condições para os beneficiários ganharem a vida com seu trabalho, tornando-se independentes da ajuda.
A presidente usaria o lançamento do programa, segundo analistas políticos, para dar ênfase à chamada agenda positiva. Seria uma forma de reagir à crise e de sair da posição defensiva. Se havia mesmo esse plano, o resultado deve ter sido muito insatisfatório para os estrategistas do Planalto.
No dia seguinte, sexta-feira (3/6), o Estado de S.Paulo, a Folha de S.Paulo e O Globo deram manchetes com o cerco a Palocci. Além disso, o Estado publicou na primeira página a mesma foto do Globo com a figura do ministro chefe da Casa Civil e a sombra da presidente na parede do fundo. A presidente virou sombra no dia do hasteamento da principal bandeira de seu governo.
Esses jornais até dedicaram espaço razoável ao programa e arredondaram as informações com gráficos e pequenos quadros explicativos. Mas o assunto recebeu muito menos atenção do que teria recebido em outra circunstância. Mesmo as informações críticas – boa parte do programa é apenas uma enumeração de intenções – poderiam ser aprofundadas, se os editores estivessem mais interessados no tema.
Recado político
O Brasil sem Miséria foi lançado sem estar pronto e é difícil dizer como será sua execução. Apesar disso, contém ideias importantes e inovadoras em relação à experiência dos anos anteriores e poderia valer uma discussão mais ampla. Mas a grande curiosidade, então, era em relação ao desdobramento da crise e às possíveis explicações de Palocci para a multiplicação de seu patrimônio.
Mesmo sem os problemas de seu principal ministro, a presidente Dilma Rousseff teria dificuldades, naquele momento, para ganhar espaço nas primeiras páginas com o programa Brasil sem Miséria. Os jornais estavam ocupados com a matança de líderes ambientalistas na Região Norte – cinco homicídios em uma semana – e com outros assuntos polêmicos, como a autorização do Ibama para as obras de usina hidrelétrica de Belo Monte. Até o embargo russo a carnes de 85 frigoríficos brasileiros competiu com o Brasil sem Miséria nas capas dos grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Naquela sexta-feira, o combate à miséria nem sequer foi citado nas primeiras páginas do Valor e do Brasil Econômico. Foi noticiado em páginas internas, mas as capas foram dedicadas a questões de importância mais imediata, como a política de juros, a questão da carne e a crise americana. O Brasil Econômico deu manchete com uma boa matéria sobre o maus indicadores dos Estados Unidos, antecipando-se à divulgação dos novos dados sobre o desemprego.
O Valor deu um belo tratamento ao problema da exportação da carne, descrevendo o embargo russo como retaliação diplomática. O governo brasileiro, segundo a reportagem, tem feito corpo mole em relação ao ingresso da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao anunciar restrições a frigoríficos brasileiros, o primeiro-ministro Vladimir Putin deu um recado político. A Rússia é o principal mercado comprador de carne bovina brasileira. A matéria, uma boa exibição de competência jornalística, foi produzida com informações de Brasília e de Genebra.
Relançamento?
No fim de semana o grande assunto ainda seria a crise do ministro Palocci, com o noticiário enriquecido por sua apresentação na TV Globo, na sexta (3/6) à noite. Nos dois dias seguintes o grande tema foi a especulação sobre o destino do ministro. A presidente Dilma, segundo algumas fontes, teria ficado insatisfeita com a entrevista de sexta-feira.
Na área econômica, o novo assunto de peso seria a atualização das contas nacionais, com as informações sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre. A cobertura acabou sendo um tanto rotineira. Houve quem repetisse um velho tropeço, confundindo o crescimento menor do consumo familiar com redução. Não houve redução do consumo, apenas uma expansão mais moderada. Mesmo sem esse tema, haveria noticiário quente.
A crise americana continua séria, embora a recessão tenha terminado. E ainda haveria a Grécia e os problemas dos grandes endividados da zona do euro.
A presidente Dilma vai ter de relançar o programa Brasil sem Miséria, se quiser alguma repercussão mais significativa na imprensa.