O escritor e advogado constitucionalista norte-americano Glenn Greenwald afirma que, caso os EUA consigam processar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, jornalistas ficarão mais vulneráveis a ações judiciais.
Colunista da revista digital Salon.com, Greenwald tem sido uma das vozes de defesa do WikiLeaks na imprensa americana.
Para ele, não há base legal para processar o site porque é uma organização dissociada de qualquer Estado e só existe na internet.
Jornais norte-americanos já citaram como possíveis bases legais para um processo contra Assange a lei de espionagem, de 1917, e a lei de fraude e abuso de computadores, de 1986.
O escritor concedeu entrevista à Folha após palestra no Iesp-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos).
Greenwald vive no Rio de Janeiro há quase seis anos. A seguir, trechos da entrevista.
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O que os documentos vazados pelo WikiLeaks revelam sobre a diplomacia americana?
Glenn Greenwald – Não existe uma diplomacia americana à parte dos demais objetivos do governo. Os diplomatas são usados para espionar outros países e para levantar dados de inteligência da mesma forma que a CIA seria usada. O papel da diplomacia é evitar guerras, mas muitos documentos mostram tudo menos isso. Há diplomatas tentando convencer outros países a deixar que os EUA participem de ações militares em seus territórios.
Na semana passada, a Força Aérea dos EUA bloqueou o acesso às páginas de veículos que publicam vazamentos. A polêmica em torno do WikiLeaks pode trazer de volta a discussão sobre censura na internet?
G.G. – Isso vai justificar na cabeça de muita gente que seja criado algum tipo de repressão ou censura na internet, o que é um retrocesso. As pesquisas com o público americano mostram que a maioria acredita que o WikiLeaks causou mais danos do que benefícios e que Assange deve ser encarcerado.
Os governos sempre querem controlar a internet. A razão pela qual não podem fazer isso é a oposição pública. O compromisso do WikiLeaks com a transparência pode aumentar o apoio público ao controle da internet.
Como o sr. compara os governos de Barack Obama e George W. Bush em relação à liberdade de imprensa?
G.G. – Quando Obama concorreu à Presidência, criticava Bush por sua guerra contra a transparência. A realidade é que não só ele continuou a maioria destas políticas como, em alguns casos, elas até pioraram.
O governo Bush ameaçou mover ações contra jornalistas que publicaram informações secretas e processar pessoas do governo responsáveis pelos vazamentos, mas quase nunca fez isso. O governo Obama já trouxe cinco diferentes ações contra pessoas do governo que vazaram informações.
O sr. citou um artigo do professor Jay Rosen, da New York University, que afirma que parte da repercussão do WikiLeaks é resultado da morte do jornalismo americano…
G.G. – Depois do 11 de Setembro, a grande imprensa se tornou completamente identificada com o governo. Eles cobriram a Guerra do Iraque embarcados com o Exército e começaram a ver o mundo pela perspectiva do governo.
A maior desgraça é que nosso governo levou o país a uma das mais terríveis guerras dos últimos cem anos baseado integralmente em mentiras, e a classe jornalística não se deu ao trabalho de submeter as informações a qualquer escrutínio.
Quais as consequências de um eventual processo dos EUA contra Assange?
G.G. – Isso vai tornar os processos contra jornalistas muito mais prováveis. Se você criar uma teoria legal que permita um processo contra o WikiLeaks, isso dará poder ao governo de processar jornalistas por revelar seus segredos.
Revelar segredos de governo representa o corpo e também a alma do jornalismo investigativo.
Por que o sr. afirma que o WikiLeaks não está sujeito às leis americanas?
G.G. – O WikiLeaks não é brasileiro ou americano. É uma organização sem Estado, não pertence a nenhum país e não existe fisicamente em lugar algum, apenas na internet. Não há mecanismo para definir qual lei se aplica a ele. Não se pode levá-lo à Justiça e obrigá-lo a revelar suas fontes. A maioria das pessoas não consegue pensar dissociada do Estado.
Parte do caráter único do WikiLeaks vem do fato de Assange ter sido criado de forma transnacional. Ele se mudou centenas de vezes e foi criado de forma a não confiar ou seguir nenhuma autoridade.
Por que a Time elegeu Mark Zuckerberg personalidade do ano quando os leitores escolheram Assange?
G.G. – Muitas pessoas usam o Facebook e Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com isso, mas se ele não existisse, nada iria mudar. A Time já elegeu Adolf Hitler e Joseph Stalin como personalidades.
Quando as pessoas perguntam zangadas: ‘Mas como vocês fizeram isso’? Eles sempre dizem que não é a opção de que gostamos, mas a que teve maior impacto.
Em 2001 a pessoa de maior impacto foi Osama bin Laden, mas eles tiveram muito medo e escolheram Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York]. Agora, é claro que Assange tem mais impacto do que Zuckerberg.