Pegou mal um artigo do Washington Post na semana passada sobre os rumores de que o pré-candidato à presidência dos EUA Barack Obama seria muçulmano. A história é velha: foi publicada pela primeira vez em janeiro deste ano, na revista conservadora Insight, que atribuía a membros da campanha da pré-candidata Hillary Clinton, maior rival de Obama, informações de que o senador democrata – cristão – teria estudado em uma escola tradicional islâmica em Jacarta, quando garoto. Na ocasião, o tema foi amplamente debatido pelo canal Fox News e rebatido pelo concorrente CNN. Os dois políticos também foram a público refutar o boato, alegando se tratar de uma tentativa conservadora de difamá-los ao mesmo tempo.
Depois de tantos meses, o assunto parecia encerrado – mas eis que surge o Post, em 29/11, com uma matéria de primeira página sobre a suposta ligação de Obama com o islamismo. O diário, acostumado a sofrer críticas de todos os lados na blogosfera, desta vez amargou um puxão de orelha também dentro de casa. O cartunista Tom Toles satirizou o episódio na página editorial, na sexta-feira (30/11), e três dias depois o crítico de mídia Howard Kurtz escreveu não acreditar que o artigo tenha sido bem feito. No próximo domingo, será a vez da ombudsman Deborah Howell abordar o tema em sua coluna semanal.
Incompreendido
Bill Hamilton, subeditor que coordena a cobertura política e editou o artigo, disse ter ficado confuso com o fato de os leitores não terem compreendido que a intenção do jornal era questionar os rumores de que Obama é secretamente um muçulmano educado em uma madrassa indonésia. ‘Sinto muito que tenha sido mal interpretado’, afirmou, diante das críticas. ‘Isso obviamente me faz pensar no modo como editei o texto’.
Desde a publicação do artigo, conta Hamilton, o Post tem recebido e-mails enfurecidos e alegações de que o jornal estaria tentando difamar o senador do Illinois ao discutir rumores sem mencionar que eles já haviam sido desacreditados por outros veículos de mídia. Em um artigo intitulado ‘Perry Bacon está falando sério?’, Paul McLeary, da Columbia Journalism Review, escreve que a matéria é, provavelmente, o pior texto sobre a campanha de 2008 a aparecer em um jornal americano. Perry Bacon é o repórter que a escreveu.
Rumores e mentiras
Segundo Hamilton, a pauta surgiu há algumas semanas, após discussões entre repórteres políticos que notaram que uma pequena parte do público – apesar de as evidências mostrarem o contrário – acreditava que Obama era muçulmano, ou ao menos teria recebido educação muçulmana. O editor-executivo do Post, Leonard Downie, gostou da história o bastante para colocá-la na primeira página. A intenção, explica Hamilton, era ‘escrever uma história sobre o tipo de rumor que tem aparecido’ na campanha presidencial. ‘Dizer que algo é um rumor não significa dizer que é verdade. Nós não dissemos que era um rumor falso. Para mim, um rumor já não é verdadeiro’, completa.
No texto do Post, a história da escola tradicional islâmica foi descrita como um ‘rumor antigo’, e não como uma informação falsa – em janeiro, a CNN enviou um correspondente para a Indonésia para apurar a alegação da Insight e comprovou que a escola citada, onde Obama estudou, não era uma instituição com ligações com o fundamentalismo islâmico.
Hamilton diz que não está tentando ser imune a críticas. ‘Obviamente, deveríamos ter tomado mais cuidado. Mas nem toda história imperfeita leva a este tipo de controvérsia’, defende. Sobre as críticas internas, o jornalista diz que o Post é ‘uma grande família’, e famílias passam por desentendimentos. Informações de Michael Calderone [Politico.com, 4/12/07].